Opinião – Outsourcing

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José Manuel Pureza

Em Portugal, o setor privado tem sido, vezes demais, criado a partir do Estado. Para a conquista de novas áreas de negócio por privados há sempre dentro do Estado aliados preciosos que abrem portas, que facilitam, que fazem relatórios, elaboram dossiês, constituem comissões, tudo sempre, claro está, em nome do superior interesse das pessoas, da eficiência e da poupança de recursos públicos. No fim, o resultado é invariavelmente o mesmo: a transformação da oferta de bens públicos em negócio privado.

Os donos de Portugal, sabemo-lo bem, nasceram e reforçaram-se assim. A apropriação de monopólios comerciais e industriais e o recebimento de rendas no âmbito de parcerias público-privado foram as estratégias que usaram (e usam) para singrarem. A única diferença entre a fase de arranque histórico dessa dinâmica e os tempos mais recentes é que, no início, a captura do público pelo privado foi conseguida com os favores discricionários da ditadura ao passo que agora o mesmo se consegue invocando a intocável superioridade de estudos de eficiência e a proverbial “falta de preconceito ideológico” seja contra o que for ou a favor do que seja. É ver como o spin do negócio privado na saúde anda por aí a semear a versão de que os hospitais-PPP são uma fonte de poupança e de otimização de meios.

A crendice ideológica de que o negócio privado é o melhor suporte para a satisfação do interesse público tem no outsourcing a sua mezinha. Comprar a privados o serviço que o Estado prestava tornou-se um dogma tão inexplicado como são todos os dogmas. Há um serviço público de cuidados de saúde no sistema prisional? Acabe-se com ele e ponham-se as prisões a comprar a empresas de trabalho temporário a prestação de médicos, enfermeiros ou psicólogos nos estabelecimentos prisionais. Os profissionais ganham 5 euros à hora e isso desmotiva a sua dedicação e desqualifica o serviço? Pouco importa, porque, claro, o privado é que é eficiente. Há um serviço de utilização comum dos hospitais, associação sem fins lucrativos criada e participada pelos próprios hospitais do SNS, que fornece com custo reduzido e garantias acrescidas de qualidade serviços de alimentação, lavandaria e manutenção? Pois trate-se de o obrigar a subcontratar privados da restauração ou da hotelaria para a aquisição desses serviços. O resultado final é mais caro e tem menos garantias de qualidade? Não queremos saber porque é mais que evidente que os privados é que sabem da poda.
A desqualificação dos serviços públicos é uma cultura. E a luta contra-cultural sempre foi dificílima. Mas é essa escolha difícil entre os cantos de sereia do dogma privatizador e o primado do serviço público que a democracia nos exige que façamos. E, face a ela, só diz que não tem preconceitos ideológicos quem tem o mais claro dos preconceitos contra o serviço público.

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