Opinião – Um verão conturbado para o PS

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Rui Bebiano

Rui Bebiano

Não sou militante, simpatizante ou sequer eleitor do Partido Socialista. Vejo aliás de um modo crítico os processos de desvitalização política que o têm caracterizado nas últimas décadas, associados ao abandono gradual dos fundamentos mais essenciais da social-democracia de esquerda, hoje já só formalmente inscritos na sua matriz.

Estes têm sido trocados por uma política estritamente pragmática, feita mais de interesses que de causas, mais preocupada com medidas do que com metas, na qual tantas vezes têm pesado sobretudo a influência pessoal ou os jogos de bastidores. Assim têm sido remetidas para um plano secundário a dinâmica democrática e a força criadora das convicções e dos projetos.

Todavia, não posso ser indiferente à vida do partido, pois, queira-se ou não, goste-se ou não da ideia, nele reside ainda a esperança de muitos portugueses, nele militam muitas pessoas genuinamente empenhadas na coisa pública, e, acima de tudo, por ele passa nesta altura a única alternativa real ao governo de destruição da democracia, do Estado social e da vida da maioria das pessoas que nos coube nesta legislatura. Politicamente à esquerda do PS, sou todos os dias confrontado com a inexistência no meu campo político de propostas que ultrapassem o mero estado de protesto e consigam produzir uma solução de governabilidade capaz de mobilizar a maioria dos cidadãos eleitores. Mas aquelas que o PS tem apresentado também não me agradam, e por isso não votarei nelas.

Esta declaração de interesses implica um olhar sobre a crise interna que o partido atravessa. Não considero que, por um passe de mágica, a troca de António José Seguro por António Costa transforme o PS numa associação de anjos que nos retire de um dia para o outro do pesadelo no qual mergulhámos.

Mais: sei perfeitamente que este último tem agregado à sua volta, para além da maioria dos setores mais dinâmicos e com maior experiência política do partido, para além da simpatia de muitos eleitores sem partido, também algumas figuras de cera, às quais jamais confiaria a chave do meu carro. Mas não antevejo uma saída que não passe por uma redefinição dos compromissos dos socialistas, necessariamente associados às expectativas de quem os elege. O PS não «é» a democracia, mas faz mais parte das soluções do que dos problemas que esta enfrenta.

É neste contexto que vejo como muito negativa a expulsão de militantes do PS de Coimbra, alguns com provas dadas no seu trabalho político e profissional, pelo “crime” de terem integrado ou apoiado, nas últimas autárquicas, as candidaturas independentes dos Cidadãos por Coimbra. Tal não faz sentido pela própria tradição plural do partido, que sempre conviveu com minorias. A candidatura presidencial de Manuel Alegre, em 2011, fez-se em discordância com a candidatura oficial do partido e tal não levantou problemas de idêntica natureza. Além disso, as listas dos CPC procuraram desde o início um acordo com a direção concelhia do PS e foi esta que recusou essa possibilidade. Mas excluir militantes enquanto se apela a uma abertura à sociedade e à aproximação de simpatizantes – que até podem ser próximos de outros partidos – é qualquer coisa de inexplicável e que só pode suscitar desconfiança.

O verão de 2014 está a ser bastante conturbado para o Partido Socialista.

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