A rua onde vivem os Antónios, os Josés e as Marias da “outra” sociedade (com fotos)

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18 anos de idade separam Maria e Artur. O casal, que se juntou há apenas dois meses, nunca viveu entre quatro paredes. Aliás, dormem “onde calha”, ou dito de outra forma, vivem num qualquer recanto da cidade.

A falta de emprego, entre outros problemas, atirou-os para esta situação. Mas quem olha para eles repara que esta questão não os preocupa. Afinal, e como recordou Maria, “já meti os papéis para o Rendimento Social de Inserção e ando a tirar um curso em Miranda do Corvo”.

Apesar das boas expetativas, o casal almoça e janta na Cozinha Económica e, mais à noitinha, para sempre nas rondas noturnas. Os bolos e o café servidos pelos voluntários ajudam a aconchegar o estômago do casal. “Toda a gente nos fechou as portas”, afirmou, com alguma amargura, o açoreano Artur. Daí que, para ele, o Natal tem o mesmo significado de um dia como, por exemplo, 14 de dezembro. O jantar de consoada será na Cozinha Económica e, depois, nova ronda na cidade para saber onde é que poderão “descansar” na noite onde, em muitos lares, se vive a alegria da troca de prendas e da mesa farta.

Sem consumir há cinco anos

António foi dos primeiros a aproximar-se da carrinha da câmara na zona da Universidade. Natural da Figueira da Foz, está há duas semanas a viver nas ruas da Alta de Coimbra. Sem roupa para se aconchegar naquela noite, e antes de receber uma tigela de sopa e o saco com comida, pede um cobertor. Tiago Morais, um dos coordenadores do Banco de Voluntariado, vai à mala e tira um saco com a roupa de cama pretendida.

Já com o cobertor debaixo do braço, António recordou que foi a toxicodependência que o trouxe para esta vida. Mas a sua força de vontade levou a que, nos últimos cinco anos, não tenha consumido qualquer tipo de produto estupefaciente. O afastamento de algumas das “más companhias”, como lhe chamou, levou a que se possa congratular com esta situação.

Sobre o Natal, agradece a preocupação, mas “não quero falar sobre isso”. E vira costas em direção aos seus aposentos.

“Para o quarto… e pouco mais”

Manuel, de 57 anos, sabe onde vai dormir. O antigo “rendimento mínimo” permite-lhe pagar, a muito custo, um exíguo quarto. “E para pouco mais dá”, refere, sem que tire os olhos da sopa oferecida pela equipa do Banco de Voluntariado da Câmara de Coimbra.

Entre uma colher e outra, Manuel vai dizendo que a sua vida mudou radicalmente de há três anos. Ao desemprego, somou-se ainda a questão de “ser muito velho para procurar um emprego”. “Eu tento, mas se nem os jovens conseguem, como é que eu consigo arranjar”, questionou, ao mesmo tempo que encolhe os ombros.

Quanto ao Natal, o tradicional. “Vou jantar no mesmo local onde o faço diariamente: na Cozinha Económica”, disse. E os filhos? Manuel fica pensativo. Nesse período, os olhos ganham um brilho diferente. “Eles sabem que eu estou nesta situação, mas também não podem ajudar”, responde.

Omitir a doença para poder trabalhar

José é outro dos “RSI” dependentes que se dirigem à carrinha do município para conseguir um saco com bolos e um café quente. Naquela noite, rejeita a tigela da sopa. Sem conseguir trabalhar devido à epilepsia e às constantes depressões, este homem de 55 anos alugou um quarto junto à Alta de Coimbra.

Antes deste “luxo”, José foi um dos sem-abrigo que dividia um T0 na zona das Químicas. Tudo corria da melhor forma quando “uma ameaça” do atual reitor o obrigou a ter de arranjar outra habitação. “Acho que a situação foi resolvida da pior forma”, referiu, descontente pela forma como foi convidado a deixar aquele espaço.

Mas, como não gosta de baixar os braços, procurou obter os meios necessários para poder sobreviver. O problema é o que resta na carteira depois de pagar o quarto: “fico a olhar para os 30 euros que me restam”.

Um valor que fica aquém dos 1.800 euros/mensais que ganhou em França até a empresa o ter demitido devido à doença de que sofre desde os 13 anos de idade.

Faltaram os voluntários

Todas estas histórias, e muitas outras de pessoas que se escusaram a falar à reportagem do DIÁRIO AS BEIRAS, são conhecidas das equipas de rua. Aliás, todos eles têm alcunhas ou até são chamados pelos seus verdadeiros nomes.

De 15 em 15 dias, e para além do coordenador Tiago Morais, saem à rua mais três voluntários. Esta semana, excecionalmente, todos faltaram. “Só um é que avisou que não iria estar presente”, disse.

Esta situação levou a um atraso na preparação dos sacos na Polícia Municipal. Depois de recolhidos os alimentos nas Pastelarias Vasco da Gama, Tamoeiro e Vénus e a “oferta” de café quente por parte do voluntário Cândido Lopes – que, sem contar, acabou por ter de fazer a ronda –, a hora é de partir para os locais já combinados com os sem-abrigo.

Carlos Santos é o motorista de serviço. A primeira paragem acontece na zona da Universidade. À aproximação da carrinha, com o logo da Câmara Municipal de Coimbra, começam a ver-se os primeiros utentes. “Já cá tivemos mais pessoas”, refere Tiago Morais, antes de sair do veículo.

Servida a sopa – recolhida ao início da noite na Cozinha Económica – e de entregues os primeiros sacos e os cafés, há que avançar para o Mercado D. Pedro V.

Na entrada lateral, um informador olha para a descida da rua Martins de Carvalho. Assim que a carrinha começa a descer, é dada informação às mais de duas dezenas de pessoas presentes. Homens e mulheres das mais variadas idades que, em fila ordeira, se aproximam do veículo.

Na viagem, tudo ficou combinado: Tiago Morais ficava responsável pelos sacos de comida, Carlos Santos com a distribuição de sopa e Cândido Lopes no café e/ou sopa.

Num ápice, os sacos começam a “desaparecer”, o fundo do contentor da sopa a ver-se e o café a “minguar”. Ainda sobrou alguma coisa para as próximas paragens. Na rua de Aveiro, o “Tomé” já dormia debaixo de um telheiro. Para não o acordar, Tiago Morais deixou um saco com comida.

Depois, o Parque Verde do Mondego. Nesse dia, uma denúncia anónima revelava a existência de uma família, com um menor, a viver naquela zona. Ambas as margens vistas “a pente fino” e nenhum sinal dessa informação. “As pessoas também poderiam ser mais explícitas na informação”, queixou-se o coordenador. Na Solum, outra informação indicava a existência de um sem-abrigo. Também aqui, nada.

Perante isto, só restava dar por concluída a ronda que voltaria a sair, na noite seguinte através de outra instituição.

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