Vives abaixo das tuas possibilidades

Spread the love

Francisco Queirós

Assume que vives abaixo das tuas possibilidades. Da possibilidade de te ergueres.

Diz o Pessoa poeta, o Joaquim de nome próprio, “sou um homem que não morre/ sou um povo que não espera”. Então por que esperas tu? Vives muito abaixo das tuas possibilidades! Também “a nêspera estava na cama/ deitada muito calada a ver o que acontecia”, foi quando “chegou a velha e disse: olha uma nêspera e zás comeu-a. É o que acontece às nêsperas que ficam deitadas caladas a esperar o que acontece”. Confessa! Andas a ver passar navios e porta-aviões, BPNs e Duartes Limas, Isaltinos e Valentins. Reclamas o 13.º mês e o subsídio de Natal. Não sabes que um ano só tem doze meses, embora agora os dias tenham mais meia hora de trabalho e o Natal é sempre que um homem quiser? Ora, não pode haver subsídios para tudo o que queres. Confessa! Não sabes que trazes “dentro da garganta as letras do teu nome/quando um homem se levanta/grita fúria em vez de fome/Só a força das palavras/Fez do medo esta verdade/ quando é teu o chão que lavras/ o arado é liberdade”? Outra vez Pessoa.

Vives acima das tuas possibilidades? Comes sardinha e não lagosta. Andas de Renault e não de BMW. Tens um T2 que não é teu, é do banco, e que vais pagar em 50 anos. Eu sei! Vives acima das tuas possibilidades e agora tens de pagar. Devias fazer como o teu avô, dividia a sardinhita com os irmãos e ia descalço para a escola. Ai essa mania de usar sapatos! Ou será que vives abaixo das tuas possibilidades? Como assim? Podias ou devias cantar alegremente: “vivo além no meu casebre, /onde cheira a rosmaninho! /onde nasceram meus pais. /E os rouxinóis fazem ninho!” Mas não! Em que ficamos? Vives acima ou abaixo das tuas possibilidades? Decide-te! Está nas tuas mãos! Podes escolher a tua alegre casinha tão modesta como tu. Caladito! De joelhos! “ Sim, Senhor! Se o Senhor pede, eu fico mais meia horita, não custa nada. Ai não é pedido… Tudo bem! No domingo também? Só se for depois da missa. Ah, há missa às sete? Certo! Sim, senhor!” E prestas vassalagem à troika. Os teus filhos deixam de estudar, é caro, não podes viver acima das tuas possibilidades. Deixas de ir ao médico, dói-te o peito, será enfarte? Paciência. Precisas de medicamentos, são caros. Luxos tem quem pode! Vais levando a vida assim. Vidinha pacata, cinzenta, sem confusão. Pobre, mas honrada. Humilde, mas obediente. Lá vais cantando e rindo: “eu não troco o meu casebre/ por um palácio doirado…/que não cheira a rosmaninho! /nem tem ninhos no telhado!”

Ou então… assume que vives abaixo das tuas possibilidades. Não queres ser a nêspera que a velha come. Está ali, caladita, a ver o que acontece. Podes acontecer! “Num tempo tão lento tardamos no vento até quando, até quando?” E despertas! O Namorado dizia: “Em Londres os lords e em Paris os snobs, /no Cabo e no Rio os fazendeiros ricos/acham no Porto um sabor divino, mas a nós só nos sabe, só nos sabe,/ a tristeza infinita de um destino”. E então percebes que “por onde o sangue do meu povo corre. Meu povo, liberta-te, liberta-te!,/ liberta-te, meu povo! – ou morre.” Foi então que decidiste aderir à Greve Geral!

2 Comments

Responder a MPereira Cancel

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

*

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.