Interferências

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Francisco Queirós

Outubro de 2011. Orçamento do Estado. Estado Português submetido à troika estrangeira. 2011. Quis saber quem sou, o que faço aqui, quem me abandonou, de quem me esqueci. 2011.

Portugal a regredir décadas. Portugal acinzentando-se. Acinzentado. Santa Comba na memória. Portugal dos pequenitos. Economia de guerra, num país sem guerra. Memória de caixões de pinho no cais de embarque de vivos e de desembarque de cadáveres. Portugal 2011. O povo é quem mais ordena, dentro de ti, ó cidade. A troika ordena na cidade e nas serras. E os lobos uivam nas terras do demo. 2011. Quis saber de nós, mas o mar não me traz tua voz.

“Olá mãe, tudo bem? Aqui estou, em Paris a investigar. Um dia o avô partiu da aldeia natal para trabalhar na construção civil. Veio para aqui. Coitado, mal sabia ler! Cinquenta anos depois, concluído o pós-doutoramento, aqui estou eu, emigrante português, doutor e pobre como o avô José! Mãe, como estás? Como está o meu país?” Ai esta terra ainda vai cumprir seu ideal, oh, minha mãe gentil, te deixo consternado no primeiro Abril. 2011. República Portuguesa. República da Troika? Não! Em cada rosto igualdade, o povo é quem mais ordena. Terra da fraternidade. Oh, musa do meu fado. Oh, minha mãe gentil. Não esquece quem te amou e em tua densa mata se perdeu e se encontrou. Subsídio de férias só de cinco em cinco anos. Feriado em Abril nem no dia dos enganos. Sabe, no fundo eu sou um sentimental. Todos nós herdámos no sangue lusitano uma boa dose de lirismo. Mas o mar não me traz tua voz. Em silêncio amor. Em tristeza e fim. Eu te sinto, em flor. Eu te sofro, em mim. Partir é morrer.

“Daqui da Guiné fala o soldado 69, para a minha mãe, para o meu pai e para toda a família votos de um Feliz Natal e um ano novo cheio de propriedades”. Natal sim, sem subsídio. Tu vieste em flor. Eu te desfolhei. Tu te deste em amor. Eu nada te dei. Em teu corpo, amor, eu adormeci. Morro nele. E ao morrer, renasci. Meu coração tem um sereno jeito. E as minhas mãos o golpe duro e presto. De tal maneira que depois de feito, desencontrado, eu mesmo me contesto. Ai esta terra ainda vai cumprir seu ideal. Ainda vai tornar-se um imenso Portugal. Tua ausência em mim. Tua paz que perdi. Minha dor que aprendi. De novo vieste em flor. Te desfolhei… Ainda vai tornar-se um imenso Portugal. O adeus, o ficarmos sós. À sombra de uma azinheira que já não sabia a idade, jurei ter por companheira, tua ausência em mim, minha dor que aprendi, te desfolhei. E a linda mulata com rendas do Alentejo, de quem numa bravata, arrebato um beijo. Em cada rosto igualdade, terra da fraternidade. O povo é quem mais ordena. À sombra de uma azinheira, que já não sabia a idade, jurei ter por companheira, Grândola a tua vontade…

…Daqui, posto de comando do movimento das forças armadas. As forças armadas portuguesas apelam para todos os habitantes da cidade de Lisboa no sentido de recolherem a suas casas… Ainda vai tornar-se um imenso Portugal… Esperamos sinceramente que a gravidade da hora que vivemos…

“Mãe, ainda aí estás? Ouve! Luta! Luta por nós, e eu luto por ti! Adeus até ao meu regresso.” Portugal 2011.

 

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