Comunicação ao País

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À mesa do café, o Tó dissertava sobre o mundo, como um presidente em horário nobre em directo na televisão: “Senhoras e Senhores. O Natal vem longe em dias contados e já por todo o lado se anuncia o evento. Não o nascimento do Salvador, a festa da família, das crianças, ou lá o que é. Mas a época de consumo. Nas televisões e nas ruas o Natal começa cada vez mais cedo. Mas este ano, ou não vivêssemos anos marcantes na nossa história, o Natal é uma peça com cenário diferente. Anuncia-se o Pai FMI. O velho e obsoleto Pai Natal foi despedido! Ou por carta, ou por mensagem no telemóvel. Afinal ele voa e embora de rena não é mais nem menos que o pessoal da “Groundforce”. E como período natalício é época de mistérios, ficar-se-á por saber quem assinou o “sms”. Sócrates? Terá o engenheiro domingueiro tão elevados poderes? Os “mercados”, essa suprema divindade? Pouco importa! O Pai Natal há muito que não serve! Antes de mais é anacrónico, “demodée”. Onde já se viu um herói dos nossos dias com aquelas características?! Gordo, velho, barbudo, vestido de vermelho! O “Pai FMI” é moderno. Jovem, musculado, “yuppie”. Não vem das neves, cenário que antigamente encantava pelo mistério da distância e um certo maravilhoso imaginário que o Norte da Europa tinha, mas que pouco a pouco se converteu na imagem da neve na Serra da Estrela em reportagem da televisão com o pessoal, sem dinheiro para estâncias, a deslizar de cu em sacos de plástico. Deixemo-nos de rodeios. O que vos queria dizer resume-se nisto: o Pai Natal morreu! Não queria ser cruel. Mas coube-me a mim frente às câmaras declarar de pulmão cheio o que todos já sabíamos e não nos atrevíamos a admitir. O Pai Natal morreu! Foi-se. Mas rei morto, rei posto. E quem cuida de nós providenciou um substituto, uma alternativa. Sim, há quem cuide de nós. Nós dormimos, nós trabalhamos, nós não trabalhamos por estarmos desempregados, nós comemos, nós não comemos por não termos dinheiro, nós amamos, nós não amamos apesar de amarmos por não termos com quem, nós regressamos a casa no final do dia de trabalho, ou no final do dia à procura de trabalho, ou não regressamos a casa por não termos casa, nós produzimos, nós recebemos um ordenado, ou não temos ordenado, e nós enriquecemos os outros que ganham com o que nós produzimos, nós pensamos, ou nós não pensamos, por falta de tempo ou por nos cansarmos de pensar, nós votamos, ou não votamos, nós manifestamo-nos, ou esperamos que outros se manifestem por nós. Mas há alguém que cuida de nós. O Pai FMI! Será pois da natureza das coisas que o Pai FMI substitua o Pai Natal. Afinal, alguém lá em casa acreditava no bacano? Este sim é bem mais credível.” Calou-se. Só então dei conta que estava de chávena na mão desde que começara o directo televisivo. Bebi o café. Estava frio.

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