diario as beiras
opiniao

Tai Chi: Respirar com (c)alma

30 de outubro às 11 h29
0 comentário(s)

Macau é uma tela de contrastes. Pela manhã, o território acorda com o barulho constante dos motores, o pára-arranca dos autocarros, a azáfama das buzinas, a correria de quem entrega as crianças nas escolas e corre para chegar a horas à primeira reunião. Mas, ainda assim, há dezenas de recantos onde o tempo decide ter paz: nos parques, nos jardins, nos largos, nas praças e pracetas, o tai chi instala-se como respiração colectiva.

O tai chi é uma arte marcial suave de origem chinesa, baseada em movimentos lentos, respiração coordenada e na busca do equilíbrio entre corpo e mente. Surgiu como prática de cultivo da energia vital (o chi) e evoluiu para uma forma de meditação em movimento que hoje revela benefícios para o corpo e para o espírito, especialmente em rotinas agitadas.

Os praticantes, maioritariamente idosos, instalam-se na malha urbana com uma presença leve, marcada pelos seus movimentos lentos, que são acordos silenciosos com o presente. Em Macau, o mundo parece acelerar à nossa volta, e eles, em silêncio, constroem uma coreografia que só a cadência de quem se entrega ao presente consegue ver e sentir. As mãos desenham círculos que se entrelaçam com o ar, as pernas procuram lentamente o chão, e a cabeça mantém um equilíbrio com o qual o trânsito jamais competirá.

É fascinante e, arriscaria, hipnotizante, observar a paciência que transforma cada movimento num abraço ao tempo. Num sobressalto, sou chamada à realidade quando o semáforo passa a verde e começa na rádio local o noticiário das nove da manhã … avanço rapidamente e deixo para trás a serenidade de quem respira o agora.

As coreografias, mesmo em câmara lenta, não atrasam a vida. Pelo contrário, elas oferecem uma lente para observar os simples movimentos com dignidade nova: o corpo que se embala sem violência, a respiração que se alonga para deixar o dia começar, a paz que transforma o espaço público num santuário onde a pressa não encontra morada. No fim, quando as mãos voltam ao corpo, o mundo lá fora continua o seu caos: trânsito, buzinas, tubos de escape.

Macau ensina-nos que o presente não precisa de permissão para existir. Pode nascer numa praça, num jardim, num passeio ao lado de um semáforos congestionado, entre o barulho e o silêncio que escolhemos ouvir. O tai chi, nesse cenário, revela-se não apenas como disciplina, mas como forma de morar o tempo: sem pressa, com presença, ao abrir-se a cada respiração para o mundo que o espera lá fora.

Autoria de:

Francisca Beja

Deixe o seu Comentário

O seu email não vai ser publicado. Os requisitos obrigatórios estão identificados com (*).


Últimas

opiniao