Opinião: Um tesouro a (re)descobrir

A humanidade dispõe atualmente de ferramentas de ação sobre o mundo natural que podem até levar à sua destruição. Não estranha assim que os líderes religiosos conscientes vão tentando contribuir para o despertar de consciências neste domínio. Assim, já na encíclica “Caritas in Veritate” o papa Bento XVI destacava a ligação íntima entre o desenvolvimento humano integral e os deveres que nascem da relação do homem com o ambiente natural. Nas suas palavras, “o homem interpreta e modela o ambiente natural através da cultura, a qual, por sua vez, é orientada por meio da liberdade responsável, atenta aos ditames da lei moral.” O seu sucessor no papado tem trilhado este caminho de profundo realismo no diálogo com a Natureza, (também ela Criação, para os crentes).
Esta perspetiva humilde na relação com o mundo natural é um padrão que nem sempre foi seguido, seja no passado, seja no presente, por quantos julgam que as suas ideias brilhantes se sobrepõem às leis naturais.
A Humanidade levou de facto muitos milénios até conseguir aperfeiçoar a perspetiva inverosímil, que hoje designamos científica, onde a observação e a experimentação se sobrepõem às conspirações neuronais enquanto padrões críticos para a compreensão da Natureza.
Em Portugal, é na Reforma da Universidade de 1772 que essa perspetiva é assumida como norma. Surge necessariamente, associado a esta profunda reforma, um Gabinete de Física Experimental, que foi sendo acarinhado e acrescentado pelas gerações seguintes (apesar de o desenvolvimento científico, indissociável de uma atmosfera de liberdade, ter tido de esperar pelos fins do século XX para se concretizar plenamente).
Após a visita que lhe fez em 1872 (no decurso de um périplo pela Europa), o Imperador D. Pedro II do Brasil terá comentado “realmente a física está aqui bem representada; é dos melhores gabinetes que vimos na viagem”. Foi Mário Silva, já nos anos 20 e 30 do século XX, quem conseguiu recuperar grande parte do espólio setecentista e oitocentista, revelando uma coleção museológica de instrumentos de física experimental, ímpar a nível mundial, e que foi preservada até aos nossos dias. Em 2014, a Sociedade Europeia de Física reconheceu o Gabinete de Física Experimental como “Sítio Histórico Europeu”, considerando-o da maior importância para o desenvolvimento e história da Física.
É esta extraordinária coleção que, em boa-hora, desde o passado dia 27 de Setembro voltou a poder ser visitada publicamente no âmbito das coleções museológicas da Universidade de Coimbra. A sua importância ultrapassa largamente, contudo, o facto de ser uma das jóias da coroa do património mundial. Numa época em que, independentemente dos factos, as “verdades” parecem ter tendência a ficar enclausuradas nos cérebros que as acolhem, aqueles instrumentos continuam a ecoar as pertinentes, necessárias e atuais recomendações plasmadas nos estatutos pombalinos: os estudantes “não somente devem ver executar as Experiências, com que se demonstram as verdades até o presente conhecidas na mesma Física; mas também adquirir o hábito de as fazer com a sagacidade, e destreza, que se requer nos Exploradores da Natureza”.
Os desafios do futuro são inseparáveis da cultura, da liberdade e da moral. Mas só poderão ser vencidos com os pés bem assentes na Terra, devidamente suportados pela compreensão da Natureza que apenas a Experiência permite.