Opinião: Plataformas digitais e estruturas de mercado

Na concentração do mercado na economia digital, fruto da independência entre a qualidade e os dados, observa-se o fenómeno do “feedback loop” (retroalimentação), que faz parte da cultura do produto e cria um processo de melhoria contínua, que tem subjacente a experimentação, a validação e a agilidade, das quais decorrem incentivos para o afunilamento e controlo do mercado.
Adicionalmente, as empresas adotam uma atuação conhecida como cluster-markets, técnica de agrupar elementos a partir das características comuns, com o objetivo de facilitar o processo de análise ou escolha, ou seja, os clusters-markets são formados por múltiplos negócios digitais não concorrentes entre si, oriundos principalmente de aquisições verticais. Deste modo, é difícil identificar os possíveis agentes monopolistas pelos métodos atuais que se concretizam na mensuração indireta do poder de mercado. A agrupação de atividades distintas e não competitivas apoia-se na lógica de aproveitar as estruturas virtuais já existentes para melhorar a qualidade, diminuir os custos ou atrair mais consumidores. Deste modo, uma plataforma já consolidada no mercado (Uber Transports) consolida-se com outras existentes noutros mercados (como seja a Uber Eats – Delivery).
Deste modo, os agentes influentes utilizam a sua capacidade financeira para adquirir empresas menores, mas com potencial criativo para captar para si produtos complementares (fins verticais), existindo, todavia, uma fração menor de aquisições com fins horizontais, em que o adquirente visa aniquilar a inovação ou o próprio a gente, precavendo-se deste modo contra uma possível concorrência futura.
Estas Killer Acquicitions são uma tentativa de controlo das estruturas de mercado associada à aquisição de concorrentes nascentes. A maioria das aquisições é efetuada com base na capacidade preditiva das empresas tecnológicas, que trabalham com o efeito nowcasting (previsão a curto prazo), ou seja, as plataformas acabam por deter uma capacidade prospetiva enorme, graças à dimensão crescente dos dados necessária para alimentar os seus algoritmos, criados para entender melhor o comportamento dos utilizadores. Esta é exatamente a maneira estratégica de utilizar os dados, além de definir uma elevada capacidade de monitorizar e investigar o conjunto das atividades efetuadas no espaço digital para antecipar mudanças de mercado.
Em face desta dinâmica é difícil estabelecer políticas estruturais para o mercado digital, e o maior obstáculo surge ao identificar as essencial facilities (instalações essenciais) porque, quando as autoridades governamentais acabam de coletar informações sobre um componente tecnológico, outro mais moderno já surgiu no seu lugar. Com efeito, a concentração é um fenómeno multifatorial, pelo que a solução jurídico/económica também deve ser construída de forma idêntica.
A gratuidade, última componente da análise dos mercados digitais, tem subjacente um enviesamento de raciocínio que exprime a tendência de os indivíduos atribuírem maior valor aos bens que estão de sua propriedade, relativamente àqueles que estão na posse de terceiros. Em termos inversos, a baixa perceção de valor relativamente aos dados induz os utilizadores à sua entrega gratuita e irrefletida e da qual resulta uma situação desigual. Este comportamento corrente tem a sua fundamentação nos dois elementos típicos dos mercados digitais: a cobrança preço-zero e o desconhecimento total da importância dos dados para a economia digital.
As plataformas perceberam rapidamente que a alavancagem dos seus conhecimentos está correlacionada com os dados. Deste modo, as empresas organizam-se de maneira a coletar a maior quantidade de dados em troca da prática de serviços gratuitos, o que se traduz na expressão data-for-service, prática atual de troca de dados por serviços digitais. Não há porém almoços grátis, dada a existência de uma contraprestação não monetária pelos serviços. Sabe-se igualmente que não é interesse das grandes plataformas digitais publicitar, ao público em geral, a importância dos dados. Os utilizadores percebem a gratuidade a partir do uso, e neste sentido as trocas no mercado digital são ditadas pelo valor de uso e não pelo valor de troca. O valor de uso baseia-se e está embutido no indivíduo. Este contexto denota a perceção de ausência de qualquer compensação qualitativa e quantitativa por parte dos utilizadores, e contribui para o modelo da extração massiva de dados, em virtude de os utilizadores assumirem acriticamente a oferta recebida.
Este ambiente difuso dificulta a compreensão e análise da distribuição de direitos, dado existir um enorme gap de valor acerca do mesmo bem. O que significa que os utilizadores estabelecem relações digitais no contexto de uma elevada assimetria informacional, o que pode explicar que, apesar das tecnologias evidenciarem falta de segurança ou existirem escândalos de privacidade, os utilizadores continuam a facultar os dados sem quaisquer obstáculos ou hesitações. Este comportamento além de lamentável é desprezivelmente ignorado pelas majestáticas plataformas comandadas, geridas por ilustres tecnocratas, para os quais a verdade é sinonimo de autoridade financeira.