Opinião: Os Fósseis de São Bento

O Parlamento votou favoravelmente, e bem, o piloto de voto eletrónico para as comunidades de portugueses no estrangeiro. Num país onde a modernização deveria ser o alicerce de uma democracia inclusiva, é quase risível constatar que alguns atores políticos, antes mesmo de se renovarem, já se comportam como fósseis eleitorais. Numa decisão que roça o surrealismo administrativo, o Partido Socialista votou contra o piloto de votação eletrónica para os emigrantes. É como se o PS, outrora símbolo de renovação, se recusasse a abandonar o conforto dos velhos amanuenses: burocratas que se agarram a tradições obsoletas, recusando-se a acompanhar a modernidade.
Em “O Mandarim”, Eça já descrevera bem este espírito dos amanuenses que, atolados nos seus papéis e formalismos, representavam a decadência de um sistema resistente à mudança. Será este o mesmo espírito que hoje permeia certos setores políticos, onde antes mesmo de se reinventarem, os “novos” já demonstram um apego patológico ao passado? Quantos votos mais serão perdidos à margem de uma inovação que poderia, comprovadamente, aproximar os cidadãos do seu direito fundamental de participar na democracia?
É irónico pensar que, enquanto os dados mostram que a digitalização do voto aproxima os cidadãos do processo democrático, o PS português prefere um discurso teórico. Será que o medo do progresso, a insegurança face ao desconhecido ou mesmo o desejo de preservar privilégios do passado estão a impedir uma verdadeira renovação? E, mais importante, quantos emigrantes continuarão a ser excluídos de uma democracia que se recusa a adaptar-se às suas necessidades?
No fundo, o verdadeiro desafio é perceber que a modernização não é inimiga da tradição, mas o meio pelo qual a tradição pode sobreviver – adaptada, dinâmica e inclusiva. Se continuarmos a dançar ao compasso de um samba desafinado, onde o ritmo da modernidade é abafado pelos velhos turcos e pelos amanuenses que se recusam a evoluir, estaremos a condenar a democracia a um eterno estado de atraso. É tempo de exigir uma (r)evolução digital que coloque, de forma definitiva, o cidadão no centro do processo eleitoral, permitindo que cada voto seja seguro, auditável e verdadeiramente representativo.