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Opinião: “Mercados digitais e dados pessoais (*)”

17 de junho às 10h44
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O desenvolvimento da economia digital e a visibilidade, cada vez mais intensa, das plataformas digitais, aplicações e redes sociais, produz imensos dados associados aos interesses, às preferências, aos atributos, à localização e às amizades dos seus utilizadores. Neste contexto, os mercados digitais cresceram exponencialmente, assumiram uma elevada relevância e, como resultado, os dados pessoais e o seu hipotético valor económico assumiram-se como eixo central de desenvolvimento da economia digital.

Os dados podem ser produzidos por várias fontes e em diversos formatos e são transformados em valor pelas plataformas que os detêm. Adicionalmente, com a crescente utilização da Internet de banda larga, o acesso a telemóveis, o e-commerce e as redes sociais impulsionam voluntariamente o suprimento de dados pelos próprios utilizadores que, ao acederem e trabalharem com plataformas, acabam por divulgar, cada vez com mais intensidade as suas informações pessoais.

O valor dos dados está associado ao processo de análise dos dados, conhecido como big data analytics. Através desta ferramenta podem ser identificados os padrões, as preferências e tendências e as mais diversas informações utilizáveis pelas empresas que operam em mercados digitais. Note-se, porém, que os dados, por si só, não são capazes de influenciar decisões, sendo imprescindível que sejam submetidas a análises e filtros para que possam gerar valor para as plataformas que os aproveitam.

É importante, neste sentido, a proteção dos dados pessoais nos mercados digitais, matéria que está sob o foco do direito de concorrência. O regulamento geral sobre a proteção dos dados adota um conceito amplo de dados pessoais, ao considerar, nesta tipologia, as informações associadas a determinadas pessoas, não apenas ao seu nome, mas também outras informações e atributos relevantes que viabilizem a sua entidade. Com efeito, o n.º 26 do Regulamento Geral de Proteção de Dados (EU 2016/679 ), refere que “os dados padronizados, que possam ser atribuídos a uma pessoa singular mediante a utilização de informações suplementares, deverão ser considerados informações sobre uma pessoa singular identificável”.

Consequentemente, um dos principais objetivos do regulamento é assegurar que os dados sejam anonimizados, o que significa impossibilidade da identificação do sujeito, embora, em termos pragmáticos, seja muito difícil assegurar aquele atributo.
No âmbito concorrencial, a relevância da prestação de dados pessoais decorre do facto de as plataformas digitais utilizem as informações dos seus utilizadores como input, o que outorga a identificação dos padrões de compras e dos seus interesses. Neste contexto, as informações não são anónimas, dado serem os próprios utilizadores que, assertivamente, as disponibilizam. Efetivamente, é por meio da utilização dos dados pessoais que as plataformas digitais conseguem obter informações precisas dos consumidores, criando, deste modo, produtos adequados aos seus interesses.

No entanto, a utilização dos dados pessoais é limitada às grandes plataformas existentes nos mercados digitais, pois, como se sabe, a identificação dos utilizadores ocorre no momento em que os próprios se apresentam, seja por abertura de conta ou pela aceitação de cookies. Adicionalmente, os efeitos da rede promovem um elevado número de utilizadores que, por sua vez, impulsionam a expansão do enorme volume de dados que as plataformas já possuem. É, assim, indispensável uma maior proteção dos dados pessoais dos utilizadores, tendo em consideração que, apesar de haver mais informação disponível, esta está cada vez mais limitada a poucos concorrentes no mercado, ou seja, as vantagens competitivas estão circunscritas às empresas dominantes nos mercados digitais. Melhor dizendo, a sociedade depara-se com uma nova economia com múltiplos serviços gratuitos, e que utiliza dados os pessoais como matéria-prima, o que necessariamente desafia o direito da concorrência.

Todavia, a partilha de dados apresenta obstáculos, nomeadamente, quanto aos direitos de propriedade e inovação, etc. O compartilhamento dos dados pessoais e a privacidade gera um aumento exponencial da sua utilização, sem qualquer controlo dos utilizadores, o que contraria as tendências atuais que apontam para o seu conhecimento pelos titulares dos dados pessoais, precisamente para assegurar que aqueles possam limitar o seu acesso, enquanto bens jurídicos a serem salvaguardados. Esta posição está de acordo com o Regulamento Geral da Proteção de Dados, que visa assegurar a manifestação de vontade, livre, específica, informada e inequívoca de que o titular dos dados consente o tratamento dos dados que lhe digam respeito. Difundir os dados pessoais, através das plataformas dominantes, e não através da livre e consciente vontade dos utilizadores, protege as empresas e não as pessoas, sendo certo, porém, que o regulamento foi feito para as pessoas e não para as empresas.

*em homenagem
a António Madeira Teixeira,
fundador do Grupo Fapricela

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