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Opinião: “Km 0”

22 de novembro às 13 h02
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Onde termina a terra e começa o mar existe o fascínio das ondas a bater na areia, aquela sinfonia de murmulho, a visão da espuma branca tracejando o azul. Há outro azul, agora celeste no fundo. Termina o trajecto dos que caminham a Santiago de Compostela, mas ainda falta aquele final. Faltam oitenta quilómetros para despir a força das botas, para retomar a vida que ali se encerra. As pessoas vão buscar-se, vão descobrir -se. Uns fascinam com o desafio físico, outros meditam. Uns levam as cinzas de alguém. Os peregrinos são todos distintos. Santiago de Compostela não é um santuário Mariano, não é já um momento de igreja, pois peregrinam imensos sem fé pelo caminho.

O que Fisterra dá é um ponto final. As pessoas vão sozinhas, ou com outras, ou descobrem -se na estrada, chegam ali e podem enviar tudo para casa. Os correios oferecem um serviço especial de livrar as costas e os pés. Importante mesmo é o significado do km zero. Ali começamos de novo. Ali tens o primeiro dia do resto da tua vida. Ali fica plasmada a magia de uma pretendida reflexão. Que aprendemos de nós no caminho?

Não falo da caminhada em si mesmo, falo da representação icónica de chegar a caminhar. A reflexão que se coloca na decisão de ir a pé desafiar a distância e levar a solidão. Esses são os que me fascinam mais. A algazarra dos que decidem ir em grupo não me seduz. Claro que em conversas se pondera e pensa, mas nós só nos prescutamos caminhando sós. O caminho é um espelho da pessoa que calcorreia a distância. Caminhar durante meses, dormir sempre mais próximo, parando para falar alto e responder, aproxima o peregrino da demência mágica da descoberta. Mas muitos de nós detestam os silêncios. Muitos encontram na reflexão um constrangimento. Ir sem telemóvel é arrojado. Ir seguindo os sinais de dormitório em dormitório. A elevação do que reflete e se entrega não pode coincidir com o que protesta a cada segundo, crítica cada pedaço. Ser peregrino é um tempo que devíamos obrigar -nos alguma vez na vida. Mais de sete dias para entrar nas verdades do soliloquio.

Quem sou? O que fiz? Que sonhos deixei cair pela borda fora? Em algum tempo fui feliz? Se morresse, estava tranquilo?
A caminhada é um quilómetro zero em si mesma e não carece de um destino específico. Ir até um lugar é só um mote, uma pauta. Neste caso, tem a vantagem de reduzir os riscos dos que andam sem rede, sem apoio. Um caminho percorrido, utilizado por muitos oferece a segurança dos hábitos e das repetições.

O quilómetro zero é uma ignição nova, um fósforo virgem acende uma vela. Luz.

Autoria de:

Redação Diário As Beiras

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