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Opinião: “Jantares de Natal: reflexos da vida em comunidade”

22 de novembro às 12 h59
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No final do ano, muitas organizações passam pelo mesmo ritual: escolhe-se a data do jantar de Natal, confirma-se o número de pessoas, decide-se a ementa, designa-se alguém para fazer o discurso. Durante algumas horas, a vida coletiva parece ganhar uma forma clara: há um grupo reunido, um “nós” visível, uma fotografia que fica para a posteridade.

Se olharmos com atenção, porém, a festa oferece-nos um material muito mais rico do que a imagem harmoniosa que, inevitavelmente, muitos partilharão nas redes sociais. É um momento em que se tornam legíveis certos modos de organização. Quem propõe o jantar? Como se decide o local e a ementa? Quem trata da logística? Quem quase não contribui para a preparação mas é central no convívio? Questões deste tipo ajudam a perceber como a comunidade se distribui por papéis, posições e responsabilidades, mesmo quando ninguém as formula explicitamente.

O sociólogo Richard Sennett sugere que a comunidade pode ser entendida como arte de cooperar. Em vez de a definir apenas por sentimentos de pertença ou afinidade, sublinha o “saber fazer em conjunto”: a verdadeira arte de cooperar, que envolve coordenar tarefas, lidar com desacordos, ajustar expectativas. Este saber é construído ao longo do tempo, em contactos repetidos, e não apenas em momentos de grande intensidade emocional. A festa torna visível uma parte deste processo, mas não o esgota.

Há aspetos da vida coletiva que tendem a ficar fora de campo quando pensamos apenas no convívio de fim de ano. Um grupo pode ter um jantar animado e, no resto do ano, oferecer poucas oportunidades para participar em decisões. Pode, ainda, reunir à mesa pessoas que quase não se cruzam nas rotinas diárias; pode juntar pessoas plenamente integradas e outras que vivem a organização de forma mais distante – contrastes que raramente aparecem na fotografia de grupo.

Ler as festas deste período de forma sociológica não implica desconfiar delas, nem lhes retirar importância. Significa incluí-las num quadro mais amplo, em que os rituais de celebração são apenas uma peça entre outras. Uma organização que cuida dos seus processos de cooperação ao longo do ano encontrará, na festa, um momento para lhes dar forma e visibilidade. Outra, menos estruturada, usará talvez o convívio como ocasião para afirmar um “espírito de equipa” e de “comunidade”.

Quem participa não precisa de fazer uma análise enquanto ergue o copo para o brinde, mas pode refletir, neste final de ano, sobre os bastidores do convívio: como se decide, quem o organiza e que vozes são ouvidas. É nessas camadas discretas que se encontra muito do que sustenta, ou limita, aquilo a que chamamos comunidade.

Autoria de:

Redação Diário As Beiras

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