diario as beiras
opiniao

O Universo dos Raios X

20 de novembro às 12 h05
0 comentário(s)

A astronomia é, por natureza, uma ciência que avança graças a observações que nos surpreendem. Muitas das descobertas mais marcantes não foram previstas — foram vistas. E, por vezes, para ver algo verdadeiramente novo, é preciso olhar com “outros” olhos.

É isso mesmo que o telescópio espacial Chandra X-ray Observatory faz há 25 anos: observa o universo não na luz que os nossos olhos conseguem captar — a chamada luz visível — mas sim em raios X. Os nossos olhos evoluíram para detectar a luz do Sol, que ocupa uma gama ínfima do espectro electromagnético. Por ser a luz que vemos, chamamos-lhe visível, o que torna a definição um tanto circular. Mas a realidade cósmica vai muito além dessa fatia do espectro. Grande parte do que acontece no universo manifesta-se em formas de radiação invisíveis ao olho humano, desde energias mais baixas como os infravermelhos ou microondas, até energias mais altas como os ultravioleta ou os raios X.

Os raios X, bem conhecidos da medicina, são usados precisamente por serem altamente energéticos — conseguem atravessar os tecidos moles do corpo humano e revelar o esqueleto. De forma análoga, muitos dos fenómenos mais extremos do universo só se tornam “visíveis” quando olhamos em raios X. Estrelas em explosão, supernovas que semeiam o espaço com elementos pesados; buracos negros supermassivos que projectam jactos de matéria a velocidades próximas da luz; estrelas de neutrões em rotação frenética; ou ainda os efeitos de violentas tempestades estelares em atmosferas de planetas distantes — tudo isto emite radiação X, que o Chandra tem vindo a captar com precisão única.

A nossa atmosfera bloqueia os raios X provenientes do espaço, o que é bom para a vida na Terra, dado que prolongada exposição a esta radiação pode causar danos às células e ao ADN. Para a astronomia esse escudo natural representa um obstáculo: por isso temos que medir a radiação fora da atmosfera, em órbita. Daí o Chandra ser um telescópio espacial. Desde o seu lançamento em 1999 que começámos a poder estudar os restos de estrelas mortas, cartografar jactos de energia que atravessam milhões de anos-luz, e compreender melhor a forma como os buracos negros influenciam as galáxias onde se encontram.

O nome “Chandra” vem do sânscrito, onde significa “luz”, “brilho” ou “lua”, mas foi escolhido também em homenagem a Subrahmanyan Chandrasekhar, um dos maiores astrofísicos do século XX. Chandrasekhar demonstrou que estrelas acima de um certo limite de massa acabam por colapsar num buraco negro ou numa estrela de neutrões. Foi uma descoberta fundamental para a compreensão da evolução estelar, e encaixa na perfeição num telescópio que observa justamente esses objectos extremos.

Um quarto de século depois, o Chandra continua activo, revelando o que não se vê, apontando para o que não se espera. É um sinal permanente de que o universo é mais vasto, mais energético e mais surpreendente e inimaginável do que aquilo que os nossos olhos, por si só, conseguem ver.

Autoria de:

Pedro Lacerda

Deixe o seu Comentário

O seu email não vai ser publicado. Os requisitos obrigatórios estão identificados com (*).


Últimas

opiniao