Das linguagens: o peixe, ou a cana?
Para Wittgenstein (1889-1951), a linguagem não era apenas uma ferramenta, mas o mundo inteiro, estabelecendo aquilo que podemos conceber e experimentar na frase: “The limits of my language mean the limits of my world,” (Os limites da minha linguagem significam os limites do meu mundo).
Em 1921, no seu Tractatus Logico-Philosophicus, mostra que a nossa experiência é limitada por aquilo que podemos articular, para posteriormente enfatizar que o significado vem do “uso na linguagem”, ligado a “formas de vida” compartilhadas, propondo a linguagem enquanto atividade pública e social, e não apenas como um qualquer pensamento privado.
No mundo de hoje, em que tanto se fala de linguagens naturais e artificiais como os LLMs (Large Language Models de suporte a inteligências-máquina), vêm a propósito os avanços linguísticos em volta da inteligência artificial que, nos últimos três anos, se transformou em uma ancora geradora de termos e amplificadora de conceitos, modos de interação e raciocínio multi-modal, inimagináveis há apenas cinco ou seis anos atrás. E não é neutro o conjunto de termos e taxonomias que saltam para os quotidianos através de sistemas de reforço entretanto adquiridos na forma de hábitos de consumo (de IA) e de produção de IA com clara vantagem para os primeiros.
Consumir “interfaces para chatbots conversacionais” como Gemini, Claude, ChatGPT, Perplexity, Grok, Qwen, Kimi, ou Manus é desporto favorito para novos entrantes no mundo dos algoritmos para-inteligentes. Nestes, o peixe é servido “qua tale”, e o utilizador saboreia uma sensação de falsa sabedoria na facilidade com que “constrói” um texto, um poema, uma música, uma animação, ou um vídeo com qualidade profissional.
Tudo consumido usando os mecanismos reptilianos de cérebro primitivo (estímulo-resposta) de todos aqueles que, não estão “nem aí”, para curar de saber como o artefacto lhes foi desenhado, construído e entregue em doses cavalares de inconfessáveis artimanhas de comando e controlo.
Construir a “cana” para chegar aos artefactos é de outra natureza. Aqui, os agentes humanos (e cada vez mais algoritmicos pensados por humanos) necessitam de um cérebro criativo, com mentalidade simultânea de designer e realizador, capaz de intuir e recriar, atualizando instrumentos utilitários para fruir, vivenciando novas experiências. Para isso é necessário alterar “linguagens de consumo” por “linguagens de produção”, recriando e ou substituindo os anteriores chatbots conversacionais por plataformas de realização de agentes com nomes como Antigravity, Windsurf, Cursor, Replit, Loveble, os quais, sem deixar de consumir dados externos, se permitem expandir ideais e futuros, de forma quase tão instantânea e urgente (Vibe Coding) quão arriscada, e até perigosa.
Tomando de empréstimo o “Tractatus Quantum”, do enorme Carlo Rovelli, inspirado pelo Tractatus de Wittgenstein, é fundamental utilizar preferencialmente as linguagens de produção por sobre as linguagens de consumo, formalizando uma terceira via naturalista, entre o realismo de um “peixe no prato”, e o instrumentalismo explorado por essa capacidade maior de saber fazer antes, para usar depois , uma “cana de pesca”.



