Opinião: Fogo que arde e se vê

A 15 de agosto de 2025, a viagem decorria na habitual rotina, pontuada pelas colunas de fumo dos incêndios que atingiam a Lousã, Oliveira do Hospital e Arganil. Ao passar pela Barragem de Santa Luzia, já próximo da aldeia de Unhais-o-Velho, uma imensa nuvem de fumo denunciava que o incêndio iniciado no Piódão, que já havia ultrapassado as aldeias de Malhada Chã, Covanca e Ceiroco, se encontrava nas imediações da Freguesia de Unhais-o-Velho, no Concelho da Pampilhosa da Serra.
De facto, ao chegar à Portela de Unhais-o-Velho, a coluna de fumo já apresentava dimensões consideráveis, e as chamas já haviam ultrapassado o viso do Picoto da Cebola, lavrando, vagarosa, mas persistentemente, o mato da encosta em direção às aldeias de Meãs, Aradas e Unhais-o-Velho, embora com vento contrário que as dirigia para a área já ardida o que atrasava a sua progressão. Os primeiros pinheiros da encosta ainda se encontravam afastados, mas suficientemente próximos para que, antes da chegada do fogo, se pudesse ter efetuado o combate àquela frente que descia em direção às referidas aldeias.
Decorreram assim os dias 15 e 16. Chegado o dia 17, o mato da encosta continuava a arder, ameaçando os primeiros pinheiros. O combate ao fogo rasteiro que se propagava pela encosta não foi realizado, e as chamas alcançaram os pinheiros pelas 16 horas do dia 17 que, auxiliadas pela mudança da direção do vento, do Norte para o Sul, propagaram-se com voraz intensidade para as aldeias de Meãs, Aradas e Unhais-o-Velho.
Seguiu-se uma devastação total, inicialmente nas Meãs e posteriormente nas Aradas. Para além dos recursos florestais de pinheiro bravo, foram destruídas hortas, quintais, jardins, pastagens, vinhas, árvores de fruto e castanheiros bem como colmeias. Acompanhando o pequeno vale do Rio Unhais, o incêndio progrediu da área de Meãs/Aradas para Unhais-o-Velho, onde foi travado, mas não sem antes se esgueirar em direção à Portela de Unhais e dali continuar para a Póvoa da Raposeira, Seladinhas, Portas do Souto, Adurão, Machialinho, Esteiro e Porto de Vacas, nas freguesias de Dornelas do Zêzere e Janeiro de Cima, entrando também no Concelho da Covilhã e ameaçando outras localidades.
Face a este cenário, coloca-se uma questão fundamental: por que motivo, nos dias 15, 16 e 17, se permitiu que a encosta virada para as aldeias de Meãs, Aradas e Unhais-o-Velho continuasse a arder? Estava visível para todos que, se as chamas alcançassem os pinheiros que circundavam a aldeia de Meãs, as consequências seriam severas — como de facto se verificou.
Não é compreensível. A convicção que tenho e que os habitantes de Unhais-o-Velho têm é de que, caso o fogo tivesse sido combatido nesse local e momento, as referidas comunidades e os territórios circundantes teriam sido pouco afetados ou mesmo poupados.
Pergunta-se, então, se haverá algum especialista — daquelas dezenas e dezenas que frequentemente aparecem nos meios de comunicação social para expor as suas velhas e novas teorias — que possa explicar às populações e aos descendentes das aldeias de Meãs, Aradas e Unhais-o-Velho e das outras 18 aldeias da Pampilhosa da Serra atingidas, a razão pela qual, nos dias 15, 16 e parte de dia 17, a frente de fogo que lavrava na encosta sul do Picoto de São Jorge da Beira também designado por Picoto da Cebola não foi combatida?
Serão necessários ainda mais milhares de euros para comprar equipamentos ou realizar estudos e projetos, para alguém responder à questão, ou não seria melhor somente auditar a estratégia de combate que foi desenhada para essa frente de fogo nesses três dias fatídicos. Fica o desafio.
Pode ler a opinião de António Veiga Simão edição impressa e digital de hoje (02/10/2025) do DIÁRIO AS BEIRAS