Opinião: Não há um teimoso sozinho

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“Uma ditadura é uma visão simplista da sociedade, que a reduz a uma equação resolvida de forma autoritária. O caminho é o oposto deste. Temos de nos abrir à complexidade e à variabilidade e percebermos que ela faz parte da vida. A ciência será sempre simplificação.” Este eloquente pensamento de Miguel Miranda Presidente do IPMA (Instituto Português do Mar e da Atmosfera) serve para abrir esta necessidade.
A decisão consciente e informada, legitimamente colocada pelas Testemunhas de Jeová, com indiscutível respaldo científico no Patient Blood Management [PBM], proporciona, nem que fosse só cientificamente, um grupo control para aferir resultados e decisões comparativas. Por exemplo, no tratamento protocolado, e seguindo directivas radicais para o carcinoma da sigmoide, o doente nem sempre beneficia da espera pelas determinações em guia de orientação, e podia ser mais rapidamente operado em tempo de não anemia, e de reserva fisiológica não comprometida. Exemplo é o idoso com risco de oclusão, ou previsível anemia. Está estudado e comprovado o pior prognóstico no uso de sangue e seus derivados em doença oncológica.
Percebeu-se, também com as Testemunhas de Jeová e “as suas teimosias” (se assim lhes quiserem chamar) as enormes vantagens na cirurgia laparoscópica para reduzir sangramentos. Encontraram-se soluções alternativas como o cell saver, evoluiu-se na aplicação do ferro endovenoso, percebeu-se mais profundamente a utilização de eritropoietina. Porque constroem um desafio para a prática médica, constroem evolução e acrescentam soluções. Construíram-se soluções não cirúrgicas para aquilo que era sempre resolvido na mesa operatória, como alternativas de tratamento na coloproctologia.
Aos cientistas e aos médicos cabe aceitar o desafio e lutar pelo bem dos doentes seja qual for a sua crença, ou fé. Também tem de respeitar-se a opção dos muçulmanos em nunca utilizar mecanismos com materiais derivados dos porcos.
O que está em causa é se deve haver um limite à liberdade de pensamento e de expressão crítica, mesmo quando há emergências sanitárias.
“ concilier la liberté des individus et la capacité d’action de la collectivité.” Un nouvel âge du droit ? Philippe Raynaud Dans Archives de Philosophie 2021/1 (Tome 64 ), pages 41 à 56
Para fazer reflectir, também Pedro Russo, Professor da Universidade de Leiden na Holanda escreve na Electra número 12 página 196 “ a ciência precisa de dar passos concretos no sentido de incentivar a tomada de riscos e de encorajar abordagens criativas, tais como publicar não resultados, partilhar propostas de financiamento falhadas, e tornar diferentes resultados científicos disponíveis para todos.”… “é necessário que se deixe de considerar a ciência como um empreendimento não criativo e que se reconheça que esta tem em comum com a arte muitos aspectos que empregam e promovem a criatividade.”
Aqui entronca a minha defesa da honra e da dignidade das testemunhas de Jeová, uma vez que o que me preocupa hoje é a falta de sentido crítico demonstrada por uma geração de médicos e políticos, educados num sistema pernicioso de seguidismo de regras e normas, que os defendem legalmente, mas os diminuem como construtores de uma saúde e de uma sociedade que é também sensibilidade, experiência e dúvida. Este é o problema onde assenta a realização de milhões de exames em excesso, de iatrogenia dos MCDT, de encarniçamento terapêutico que urge discutir e combater, mas onde não vejo palavras, nem compromisso.
Sim, lá estou eu sempre na barricada pequena – agora em favor da diferença das Testemunhas de Jeová.

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