Opinião: Balanço e futuro: tudo é diferente “agora”?

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A primeira coluna de cada ano é espaço para reflexão do ano anterior e de perspetivar o futuro. Finalizei o ano refletindo sobre a forma como o Projeto Q* ia mudar a forma como aprendemos e ensinamos. A alteração das metodologias de ensino e avaliação foi algo a que voltei recorrentemente em 2023: o uso massificado da Inteligência Artificial (IA) Generativa no Ensino, em especial no Ensino Superior, a dificuldade de desenvolver grupos de trabalho ágeis que apresentem estratégias eficazes para gerir mudanças disruptivas e voláteis, são preocupações enquanto docente. Verifico, agora, que várias Instituições de Ensino Superior já concluíram e publicaram essas reflexões durante 2023, muito motivadas pelo uso generalizado dos Large Language Models e do facto de estes estarem “embutidos” num número de ferramentas cada vez maior. A título de exemplo, o Instituto Superior Técnico não proíbe o uso das ferramentas de IA Generativa, aconselhando a que os docentes refiram expressamente o que pode e não pode ser utilizado – tal como antes referíamos livros, máquinas de calcular, formulários – considerando a IA Generativa como algo que pode/deve suportar a aprendizagem e a avaliação dos estudantes, devidamente complementada com outros métodos, por exemplo, discussões orais. Parecem-me instruções sensatas, que podem inspirar Escolas que ainda não terminaram as suas reflexões. Todavia, vão exigir uma planificação cautelosa dos métodos de ensino e avaliação, centrando-os muito mais na aprendizagem esperada, parecendo-me difícil que estudantes que só se concentrem em realizar avaliações – com ainda os há no Ensino Superior – possam continuar a ter oportunidade de assim concluírem a sua formação superior. Espera-se o aumento do envolvimento dos estudantes, trazendo eles próprios novidades da IA. Criam-se, em regra, poucos grupos onde o trabalho entre equipas compostas por docentes e estudantes seja natural: a fase atual é um momento muito propício a essa parceria. É fundamental que estas reflexões sejam realizadas de forma colaborativa e participativa, envolvendo os diversos atores do Ensino Superior, sem a ambição de parar um TGV pondo-nos à frente dele (ou “enterrar a cabeça na areia”).
Há também uma outra reflexão que foi aqui tema: se a IA “faz tudo” e se o trabalho continuar a ser um dos propósitos nas nossas vidas, que trabalho estará reservado aos humanos? O Q* veio antecipar que esta é uma reflexão muito urgente na sociedade. Durante anos, ter uma licenciatura era um passaporte para um “emprego para a vida”. Hoje, a maioria das empresas tem processos de recrutamento e seleção que avaliam rigorosamente o que a pessoa deverá saber para se conseguir o fit perfeito para a vaga. O que vai ser o nosso trabalho num futuro próximo? É certo que mudaremos muitas vezes de emprego: nas gerações Millennials/”Nativos Digitais” e Centennial/“Z” perspetiva-se que seja a cada 2 anos. Porém, muitas tarefas ainda atribuíveis a estagiários ou juniores nas empresas irão desaparecer a muito curto prazo. Como é que as empresas vão passar a integrar as pessoas e que tipo de vagas vão abrir para recém diplomados sem experiência? E o que aprendem no Ensino Superior que lhes permita estar, mais rapidamente, apto para um trabalho? Se continuarmos a pensar que “uma licenciatura é uma licença para aprender” estaremos no mau caminho. Nunca se exigiu tanto a um recém licenciado e o que se espera é que essa exigência cresça. Por isso, o número de estudantes em Mestrado tem tendência a aumentar, na tentativa de uma melhor preparação para a vida profissional (ou de retardar essa entrada, esperando um nível salarial mais elevado). Se o cerne da questão é fazer o que as máquinas e a IA não fazem, então teremos de nos preparar muito melhor: “o que é que eu sei fazer melhor do que qualquer pessoa?” e “o que quero eu que seja a minha carreira?” são perguntas às quais todos os estudantes deviam saber responder. E também qualquer um de nós!

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