Opinião: IP3 ou IP Torto?

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Na semana passada, o IP3 esteve cortado por duas vezes no mesmo dia. Foi na terça-feira, dia 24 de Outubro. De manhã, deu-se a queda de uma árvore para a via. À tarde, após despiste, um camião ficou (literalmente) entalado entre o separador central e os perfis de betão da berma. Dois incidentes, independentes um do outro, que mostram um só problema – a deplorável e insustentável condição deste troço do IP3 entre Coimbra e Viseu.
Há várias razões para que a ligação Coimbra-Viseu deva ser feita em autoestrada:
1 ) O papel desta ligação na rede rodoviária nacional – a ligação Coimbra-Viseu é fundamental para a coesão entre o Litoral e o Interior da Região Centro, mas a sua relevância vai para além da região. Esta estrada desempenha uma importante função de ligação entre Portugal e Espanha, pois estabelece uma conexão diagonal entre a principal autoestrada do país, a A1, e a principal fronteira terrestre com Espanha, em Vilar Formoso (via IP5/A25 ).
2 ) É o único troço do IP3 que não é autoestrada – o IP3 estende-se desde a Figueira da Foz (e seu porto marítimo) até Chaves (e sua fronteira com Espanha), passando por Coimbra, Viseu e Vila Real. Tem uma extensão total de cerca de 280 quilómetros, repartidos em três troços: i) Figueira da Foz – Coimbra, ii) Coimbra – Viseu, e iii) Viseu – Chaves. A importância nacional do IP3, está cabalmente reconhecida no primeiro e no terceiro troços, que integram já a rede nacional de autoestradas (A14 e A24, respetivamente). É de uma incoerência gritante que o troço entre Coimbra e Viseu, com apenas 78 quilómetros e que, de entre os três troços, é o mais relevante em termos nacionais, seja o único que não tem um perfil de autoestrada.
3 ) A elevada sinistralidade – Desde a sua inauguração, na década de 90, estima-se que mais de 150 pessoas tenham perdido a vida no IP3. Por essa razão, de tempos a tempos, foram feitas algumas obras de correção/beneficiação: foi colocado um separador central em betão para evitar choques frontais entre veículos circulando em sentidos opostos e, devido à frequente queda de pedras para a faixa de rodagem, nos casos em que havia duas vias de circulação no mesmo sentido, a via da direita foi eliminada através da colocação de perfis de betão. E, assim, acabámos a circular em apenas uma via em cada sentido, confinados entre muros de betão, como se de um curral se tratasse, numa boa extensão deste “itinerário principal”.
4 ) O elevado volume de tráfego – Nos seus vários sub-lanços, o tráfego médio equivalente varia entre os 10 e os 20 mil veículos por dia. Ou seja, muito superior ao de várias autoestradas. Para comparação, noto que, segundo os Relatórios de Tráfego produzidos pelo IMT, a A4 entre Vila Real e Bragança ronda os 7 mil veículos/dia e a A17 entre Leiria e Aveiro tem uma média geral de 9 mil veículos/dia (ficando abaixo dos 20 mil no seu lanço de maior afluência, entre Ílhavo e Aveiro). Para cúmulo, os restantes troços do IP3 (que já são autoestrada!) têm níveis de tráfego muito inferiores ao de Coimbra-Viseu: a A14 entre Figueira da Foz e Coimbra tem em média 8 mil veículos/dia, e a A24 entre Viseu e Chaves fica-se pelos 4 mil veículos/dia.
5 ) O elevado número de veículos pesados – Uma percentagem muito expressiva do (já elevado) volume de tráfego diz respeito a veículos pesados, o que provoca o desgaste acrescido da infraestrutura e prejudica as condições de circulação. Para além disso, demonstra, uma vez mais, a importância deste eixo rodoviário para o transporte de mercadorias e a competitividade.
6 ) Do ponto de vista técnico, não cumpre a lei – O Decreto-Lei nº222/98, que estabelece a rede rodoviária nacional do continente, define os “níveis de serviço” (isto é, as condições de circulação) que deverão ser observados nos diferentes tipos de estradas. Segundo a Infraestruturas de Portugal, o IP3 tem níveis de serviço muito inferiores ao disposto na lei para um itinerário principal, não permitindo um escoamento estável à velocidade definida nem uma liberdade de manobra adequada. Se não houvesse nenhum outro motivo para a ligação Coimbra – Viseu se fazer em autoestrada, este bastaria. Cumpra-se a lei!
Volvidos cinco anos desde o anúncio, em Julho deste ano foi lançado um concurso público para empreitada de requalificação e duplicação do IP3 entre Santa Comba Dão e Viseu. Requalificar o IP3 não é claramente o mesmo que uma autoestrada. E duplicar, ou seja, abrir duas vias em cada sentido? Também não. Não é pelo traçado atual passar a ter duas vias que se torna numa autoestrada. Uma autoestrada é uma via rodoviária de alta qualidade e, por isso, tem requisitos técnicos exigentes (em termos de raios de curvatura, declives, pavimento, etc.), de forma a poder oferecer condições de circulação com segurança e conforto à velocidade máxima de 120 km/h. Ainda mais lamentável é o facto, assumido, de que esta duplicação não será sequer feita em toda a extensão do IP3. Ou seja, mesmo com as obras anunciadas, a ligação Coimbra – Viseu continuará a ter troços com circulação condicionada a “baixas” velocidades e apenas uma via em determinado sentido. Duvido muito que, nestes troços mais condicionados, se consiga cumprir a lei relativa aos níveis de serviços oferecidos por um itinerário principal.
Coimbra, Viseu, a Região Centro, e todo o Portugal, têm de exigir uma ligação entre Coimbra e Viseu em autoestrada. Um “IP Torto” é inaceitável.

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