Opinião: O totaliberalismo ou o regresso do fascismo

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As democracias ocidentais, desde 11 de setembro de 2001, entraram, pé ante pé, numa vertigem fascista. O 11 de setembro representou, sob o pretexto de uma proclamada “guerra ao terrorismo”, um momento crítico de inflexão democrática. O momento inaugural da pós-democracia. Outro modo de enunciar o subtil regresso do fascismo.

Regresso ancorado em estratégias semânticas, desde logo. A principal consiste na construção de um novíssimo conceito de terrorista. As democracias europeias pós Maio de 68 conheceram, de modo exato e cruel, o real e autêntico terrorismo. Os assassinatos e atentados da ETA, do IRA, dos Baader-Meinhof, nesses anos de chumbo, não foram, não obstante o seu caráter espetacular – recorde-se o rapto e homicídio de Aldo Moro, primeiro ministro democrata-cristão da conturbada Itália do “compromisso histórico” – pretexto ou causa de políticas securitárias nem da transformação dos Estados demoliberais em Estados orwellianos de controlo e de vigilância total.

0 11 de setembro desvelou a tentação totalitária de algumas democracias, há muito doentes, como a americana. A reconstrução do conceito de terrorista representa uma peça angular desse decaimento totalitário. Qualificar como terrorista qualquer indivíduo portador de um canivete suíço em pontes londrinas, ou qualquer alucinado condutor de carrinhas invasor de zonas pedonais, significa algo de muito simples: todos somos terroristas em potência.

Ora sendo todos, do nascimento à última viagem, terroristas em potência, encontrada está a perfeita justificação das democracias ocidentais para a queda nas consabidas virtudes da vigilância, do controlo, do domínio total da vida pública e privada dos seus cidadãos.

A explosão tumoral das câmaras de vigilância é a metáfora precisa do momento em que os Estados ocidentais deixaram de ser democracias..A profecia de Orwell, falhada a utopia soviética, encontrou inesperado terreno fértil nas democracias do Velho Continente, mortinhas, valha a verdade, por apresentar credenciais musculadas dignas de tiranos a valer.
Le coup de grâce deste soturno cenário foi dado pelo Covid 19, esse vírus multiresistente aos discursos racionalistas dos que querem ser os Senhores da natureza, do universo e do mundo.

Com o Covid 19 aprendemos que, afinal, não há diferença de maior entre o totalitarismo chinês e o novo Estado Total Liberal. Aprendemos que os cidadãos livres mais não são que súbditos a ser, sem um pio, bovinamente confinados, enjaulados e segregados, pelo simples e inquestionado capricho de quem, ainda que com a periódica validação formal do voto popular, se investe, a um tempo, em Diderot e Torquemada.

Hanna Arendt, no seminal As Origens do Totalitarismo, aponta como critério da transição do Estado Democrático para o Estado Totalitário a circunstância de as Polícias se investirem do poder de criadores e intérpretes autênticos das Leis Penais. Ou, dito de outro modo, a circunstância de as Polícias, e não o Legislativo, serem o rosto criador da Lei.
Numa democracia autêntica os cidadãos gozam do direito inalienável de não ficarem submetidos a práticas e tecnologias draconianas de controlo . Não há democracia a sério sem o respeito absoluto pelos espaços de intimidade e de privacidade de cada pessoa singular.

No dia em que perdermos, ou abdicarmos, do direito ao anonimato e do direito à não rastreabilidade dos nossos passos, nesse dia seremos os espectadores, nada comprometidos, de um mundo ético-político em ruínas
Vivemos já nesse mundo.

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