Opinião: Ajudar quem mais precisa, ou talvez não

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Em Junho do ano passado, escrevi para este jornal um artigo ao qual atribuí o título: “Juros. Juro que não era isto que necessitávamos agora”. Nesse mesmo artigo, abordei aquela que era a perspectiva para nós, Portugueses, enquanto crónicos devedores, das noticiadas subidas dos juros por parte do Banco Central Europeu (BCE) para controlar a inflação. Passado mais de um ano, assistimos à passagem das taxas directoras (Euribor a 3, 6 e 12 meses) para valores record desde 2008. E o que é que podemos dizer? Dizemos que o cenário não é brilhante, mas que possivelmente ficará pior. A Sra. Christine Lagarde, directora do BCE, disse recentemente num fórum desta mesma entidade, curiosamente no nosso País, que não há condições para uma pausa nas subidas das taxas de juro, fazendo antever que da reunião deste mesmo organismo no próximo dia 27 poderá sair um novo aumento dos juros.
A actividade empresarial, que teve na contracção de dívida junto da banca a sua principal solução para ultrapassar a pandemia, hoje devolve esse dinheiro acrescido de um juro em valores castigadores. As famílias, essas, que na procura de casa se tiverem que debater com um mercado imobiliário em valores anormalmente elevados, precisam agora de ter a capacidade de somar uma fatia cada vez maior para entregar aos bancos. A prestação média do crédito à habitação em Portugal aumentou 51,1% no espaço de dois anos. É um cenário pouco animador.
Como diz o ditado, nunca é mau para todos. Ao longo dos últimos meses fomos tendo conhecimento dos resultados das entidades bancárias: a apresentação de contas de 2022 e também das contas do 1º trimestre de 2023. Os resultados são o expectável: juros elevados significam para a banca resultados avultados. Os cinco maiores bancos a operar em Portugal obtiveram em 2022 lucros agregados de mais de 2,5 mil milhões de euros. Feliz de quem, a coberto dos bancos centrais, pode legitimar uma cobrança generosa de juros sobre o que lhe é devido e que simultaneamente não está obrigado a qualquer generosidade no sentido contrário. Digo no sentido contrário porque não é apenas uma questão de pagarem mal ou simplesmente não pagarem os depósitos a prazo. É também todo um preçário com cada vez mais serviços a cobrar e com valores cada vez mais elevados. O verdadeiro paraíso, para quem cobra, de taxas e taxinhas.
Considerando essencial que qualquer empresa (ou cidadão), que opere de forma legítima, tenha que recorrer aos serviços de uma ou mais entidades bancárias, a certeza que temos é que vamos pagar. Não deixo de achar legítimo que esta prestação de serviços seja paga. Parece-me pouco legítimo é que à medida que os serviços prestados por estas entidades se “encolhem” para o mínimo possível, os valores cobrados aumentem cada vez mais. Retrato, por exemplo, a taxação quase incompreensível a que está sujeito um depósito a balcão e mais ainda se o mesmo for feito com moeda metálica. O banco coloca a moeda física em circulação, a actividade da minha empresa tem obrigatoriamente que a aceitar como meio de pagamento por parte dos seus clientes e para o colocar novamente ao dispor do banco há uma taxa a pagar. Se quiser usar essa mesma moeda para pagar um financiamento a esse mesmo banco, não posso. A sua cobrança é exclusivamente realizada por débito em conta… ou melhor, posso, mas primeiro tenho que a depositar e pagar a dita taxa. Tudo isto para uma entidade que já paga a célebre gestão/manutenção de conta. E a este exemplo tantos outros se podem somar. Pagar, pagar e pagar.
Se de uma questão solidária se tratasse, era altura do sistema bancário se recordar do quão necessário foi a injecção de capital promovida nele mesmo através do dinheiro de todos os contribuintes. Mas não, aqui não é uma questão de solidariedade, é uma questão de quem mais pode e quer: pode, porque está legitimado por quem nos governa e por quem os fiscaliza; e quer, porque afinal a classe média/alta portuguesa ainda janta fora à sexta-feira e isso não é para portugueses.
Mas vá, sê solidário com a banca. Eles agradecem. Vais ver que terão sempre uma taxa nova a aplicar como forma de te agradecer os lucros que lhes proporcionas.

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