Opinião: À Mesa com Portugal – Feliz 2023

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Não nos sentamos para comer, sentamo-nos para comer juntos. Frase sábia escrita há mais de 2000 anos por Plutarco, um grego que soube agradar a Roma e efabular em palavras a vontade de grandeza do Império. Para mim, uma frase que me deixa de coração leve pelo elo que esconde. Comer é muito mais do que o prazer secreto do gosto que preenche a boca. É mais do que a energia que dá ânimo ao nosso corpo. É muito mais do que a técnica culinária que exige precisão ou destreza. É círculo, é aro, é preceito conjunto de escutar e falar. É receber e acolher na mesa e no coração. É passar a travessa, a almofia, a taça, o caçoilo, com o manjar preparado. É guardar o melhor bocado, aquele que todos cobiçam e que todos se envergonham de tirar, para o conviva que com ele se sentou. É passar o pão, alimento sóbrio que ampara os melhores e os piores momentos da fome. Nele encontramos o conforto no vazio da doença e na plenitude da refeição comum. É encher o copo do vinho, que desliza pelo vidro como veludo, e se faz líquido estonteante capaz de aquecer o corpo e a mente. Dilata as veias e faz fluir o sangue. O vinho é um sopro de fluidez das palavras, ainda que na regra que a civilização lhe impôs, faz cair a máscara do socialmente correto e deixa perceber o que somos para além do decoro púdico e bem-comportado. Rimos, choramos, gritamos e cantamos, dizemos piadas, contamos histórias passadas. À mesa, fazemos as histórias dos nossos dias cair na graça da intemporalidade que nos faz feliz. Damos sentido aos dias que se esgotam no ritmo de um calendário apressado. É nesses momentos que fazemos planos, revemos os sonhos prostrados pela ineficácia do desarranjo do quotidiano, infligimos promessas ao coração com a certeza de que não as iremos cumprir. Seguimos o caminho das horas da refeição comum na certeza do êxtase e do declínio da noite.
Do entusiasmo inicial, a fome, a fome do que se vai comer, dos olhos que comem, à fome do que se vai partilhar. Da loucura de não se saber só, da inebriante sensação de que as horas comuns soam a dobrar no nosso coração. O bater das horas não ressoa na mente, ludibriados pelas palavras, risos, brindes e palavras avulsas que concorrem para uma noite de existência leve. Não há peso, não há carrego, a mente que acompanha o corpo deixa-se guiar pelo bate-bate das emoções, pelo pulsar do que nos entusiasma.
Sonhamos acordados e a fome desmancha a infelicidade, põe-na na beira do prato como espinha sem préstimo. É a beleza das refeições comuns. O sonho de uma noite que fica suspensa entre palavras e imagens.
Entre banquetes. Entre o Natal e o Ano Novo. Fim de ciclo e início de ciclo. Com o sonho que acompanha o banquete, a não adiar a reunião à mesa e a deixar que esta seja um rio do tudo que queremos.
Feliz 2023.

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