Opinião – A aprendizagem da democracia

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Não posso afirmar que o governo prepara consciente e metodicamente a exclusão dos alunos pobres e diferentes do sistema educativo. Mas na prática é isso que acontece.
De todas as aprendizagens do ser humano, na sua vida coletiva, a mais fácil de entender e a mais difícil de levar à prática é a democracia. Para uns é uma ambição e uma esperança bem vivas, para outros é uma terrível ameaça. Quem tem tudo, não quer ceder nem um milímetro do que tem.
Quando observamos a organização da vida social ao longo da história, o que vemos não são relações harmoniosas e pacíficas de amor entre as pessoas. O que ressalta são guerras e lutas sem fim, é a dominação e mesmo apropriação de seres humanos por outros seres humanos. Onde há vencedores e vencidos, os vencedores dominam e muitas vezes apropriam os vencidos. A sociedade em que vivemos não se libertou desta mentalidade perversa.
Esta bipolarização classista foi sendo configurada ao longo de milénios. A primeira Revolução Agrícola, com a apropriação da terra e de quem a trabalha, o Feudalismo com os seus Suseranos e Vassalos, o colonialismo e o abjeto comércio de escravos, o capitalismo, opondo empresários e proletários, são modalidades de aprofundamento das desigualdades, opondo quem tem os bens e quem não tem mais que os braços para trabalhar. Esta mentalidade, ancorada nos três vértices do triângulo – racismo, machismo, elitismo -, permanece, no inconsciente ou mesmo na consciência criminosa dos opressores.
As organizações mais participadas na sociedade contemporânea mantêm as rivalidades e ódios de primitivas sociedades tribais: clubes desportivos, partidos políticos e mesmo religiões, com milhares e milhões de adeptos, de militantes e de crentes, envolvem-se com regularidade em agressões e lutas de morte impensáveis entre humanos. A irascibilidade humana destrói a razão e o discernimento. O sectarismo (do Latim secta, origem da palavra seita) militante é a marca destas organizações. Os partidos são seitas intolerantes com os outros partidos ou até mesmo com quem não tem partido. Ainda não aprendemos um modelo de organização sem partidos, mas os partidos são cada vez mais o veneno da democracia.
Os governos são feitos desta massa. Os partidos continuam a proclamar na propaganda eleitoral que vão governar para o povo, mas os governos são formados exclusiva e escandalosamente no âmbito do clã partidário e familiar. A fidelidade é critério único e a competência pode ser incómoda. A verdadeira democracia, subordinada ao tríptico da Revolução Francesa – Liberdade, Igualdade, Fraternidade, esbarra nos interesses de classe, nos conluios partidários e nas ambições criminosas de políticos e governantes corruptos que não hesitam em tirar o pão da boca dos pobres para alimentar a sua flatulência.
A nossa frágil “democracia formal” é um bom exemplo: governantes de topo, ministros, governadores de bancos, administradores, autarcas, políticos sem conto, envolvidos em escândalos de todo o tipo, em corrupções sem fim, permitindo que poucos tenham tudo e uma população crescente sofra o frio, a fome e a pobreza em limites extremos. Continuamos a ter muita gente sem direito ao pão, à saúde, à educação.
Não posso afirmar que o governo prepara consciente e metodicamente a exclusão dos alunos pobres e diferentes do sistema educativo. Mas na prática é isso que acontece. Em teoria não há exclusão, nenhum aluno fica para trás. Mas na prática somos um dos países que mais exclui na escolaridade obrigatória e que impede a formação ao mais alto nível, deixando anualmente milhares de alunos sem meios para frequentar o ensino superior.
Dois pontos são particularmente chocantes: antes de mais é o desperdício de impedir a educação e formação de tão elevado número de crianças e jovens; em segundo lugar é o facto de “selecionar” os pobres e os diferentes para imolar na roda dos incapazes. O agricultor que tenha mil hectares de terra fértil sem semear nada, não cria valor. O semeador não pode colher sem semear. E depois, senhor, não bastava terem nascido pobres ou diferentes, é preciso que sejam condenados a ficar pobres e diferentes para toda a vida! Parece que estamos num governo classista obstinado em perseguir os pobres, como se fossem a causa e não a consequência das políticas de empobrecimento.
Sem uma educação saudável, nunca teremos uma economia saudável. O segredo está na educação e na formação. Cada aluno que se perde é uma árvore que não dá frutos. Cada jovem que parte é um golpe fundo na nossa “democracia”. E na nossa economia. Quando será que podemos sair à rua, olhar de frente os nossos concidadãos e “ver em cada rosto igualdade”?
Os professores saíram à rua em protesto pelos ultrajes de décadas. O meu aplauso por reclamarem os seus direitos, o que só contribui para melhorar a qualidade da educação e da formação. Mas atenção: A União Faz a Força. Se continuarem as divisões partidárias e cada sindicato aparecer com propostas e reivindicações diferentes, o insucesso estará garantido. A democracia começa na escola. Se os professores não conseguirem democraticamente consensualizar uma carta de reivindicações comuns e se deixarem acorrentar por diferentes visões partidárias, entregarão todas as cartas ao ME e ao Governo. Uma escola democrática e autónoma terá todas as condições para se responsabilizar pela sua eficácia. Por enquanto essa responsabilidade cabe toda ao Governo e a quem defende e apoia o centralismo burocrático. Uma escola oprimida não pode formar para a Liberdade e para a Igualdade.

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