Opinião: Em defesa do bom nome da mudança da Hora

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A Hora. Assim, com maiúscula. De seu nome completo, a Hora Legal. A Hora muda, como estamos habituados, entre a hora de verão e a de Inverno. Desde que me lembro que a Hora Legal muda, tirando duas excepções quando se resolveu que alinharíamos pela hora de Berlim. Sempre achei graça à mudança da Hora. Dá motivo de conversa interminável, então atrasa ou adianta? Quer dizer que é mais cedo ou mais tarde? E duas vezes por anos temos assunto.
Depois há uma espécie de benesse. Todos os Outonos recebia uma hora «de borla», uma hora a mais para dormir. E na Primavera? Na Primavera a percepção não é a de que nos vieram pedir essa hora de volta, antes a de que o dia fica mais comprido, temos mais horas de luz para desfrutar depois da escola ou do trabalho. Ou seja, sou, confesso, um adepto da mudança da Hora, reconhecido pelas benesses pessoais que confere à minha boa disposição. Atenção, sei que é muito provável que a mudança da Hora não tenha sido criada com o fim de me pôr bem disposto pessoalmente a mim próprio. Mas põe.
Ora (sem agá) parece que querem mudar a mudança da Hora (com agá «grande»). E porquê? Porque há uns “estudos”, porque as pessoas ficam dois dias a dormir pior, menos concentradas, há mais acidentes, etc. E depois alguns comentadores pegam e reproduzem, perguntando por uma solução para uma coisa que provavelmente não é um problema. E depois uns políticos vão atrás… ao ponto de terem feito uma «consulta popular», numa votação da internet, que deu uma maioria esmagadora ( 84%) a favor do fim da mudança. E o parlamento europeu foi atrás e votou em 2019 pelo fim da mudança. Não se questionou o modo da «consulta popular» nem a representatividade dos «votantes». «Votaram» 4,6 milhões de pessoas de um universo de 447,7 milhões, ou seja, menos de 1%). Não se questionou a representatividade regional. A maioria das participações teve origem na Alemanha ( 68%) enquanto que as participações de Portugal se resumiram a 0,7% do total. Como refere o Observatório Astronómico de Lisboa «Note-se que esta amostragem é estatisticamente enviesada e, por isso, não representa com significância a opinião média dos povos na EU». Também não houve nenhum esclarecimento sobre o que estava em questão, sobre os impactos globais, sobre a diferente afectação regional. Apenas uma cavalgada à desfilada.
É verdade que a mudança da Hora teve como objectivo explícito o minimizar o uso de iluminação pública, ou seja, um objectivo de poupança energética. Também se verifica actualmente que essa poupança é de pouco significado, cerca de 1% apenas. Mas esse 1% é uma média. Observando de modo mais fino verifica-se que nos países mais do norte a poupança é de cerca de 0,5% enquanto nos países do sul da EU a poupança é de cerca de 2,5%. Ou seja, nós poupamos mais.
Mas a alteração da Hora leva também a uma maior utilização das horas de sol, trazendo benefícios para o dia-a-dia. Se nos mantivéssemos na hora de Verão, durante o Inverno teríamos quase cinco longos meses com o sol a nascer depois das 8h, em parte mesmo perto das 9h. Ora, quando aparecem os ditos estudos (nunca conclusivos diga-se) a referir aumento de doenças ou acidentes por causa da alteração, nunca é feito o contraponto relativamente às implicações na saúde de começar o dia ainda «de noite».
De qualquer modo, o que está em causa é a manutenção da mudança da Hora nos termos actuais ou, em alternativa, a fixação da Hora Legal no que agora corresponde à Hora de Inverno. Ou seja, no Verão perdemos aquela hora suplementar de luz que nos permite desfrutar do dia.
Sobre esta questão o Observatório Astronómico de Lisboa (organismo nacional responsável pela «gestão» da Hora) emitiu um relatório e parecer bastante fundamentado (https://oal.ul.pt/documentos/2018/09/relatorio-hora-legal-verao-ue-agosto-2018.pdf/), concluindo:
«A melhor solução para a Hora Legal do país é a que atualmente existe (UTC + HdV). […]
Todas as outras possibilidades que por vezes são debatidas […] ou são piores ou muito piores»:
Com a Hora Legal fixada na actual Hora de Inverno, que corresponde à proposta de alteração, «ter-se-ía o sol de verão a nascer perto das 5h , ou seja, uma madrugada de sol desaproveitada seguida de um final de tarde com menos 1 hora de sol, fatores que são menos positivos nas atividades da população».
A Hora Legal fixada na actual Hora de Verão, (que não é a proposta) «tem impactos muito negativos, pois o sol nasceria entre as 7h45m e as 9h durante 5 meses do ano, de meados de outubro a meados de março; mas sempre depois das 8h da manhã desde novembro a fevereiro (inclusive)».
Diga-se ainda que já foram experimentadas diversas soluções de Hora Legal, tendo-se sempre retornado à actual… provavelmente é um sinal, não?
Espero que a decisão seja mais esclarecida e fundamentada, pensando em todos os benefícios para todos os cidadãos europeus, mesmo os mais meridionais. E que não se venha a confirmar o final do soneto camoniano:
«E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía».
Eventos: amanhã, sexta-feira, pelas 17:00h ir-se-á efectuar uma manifestação em defesa da manutenção das árvores junto à estação nova.

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