Opinião: O seu a seu dono

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A normalização das anormalidades é algo que fazemos inconscientemente com a habituação. É natural, a nossa biologia assim nos direcciona. É essencial à vida. Os nossos sensores biológicos são excelentes a distinguir alterações nas condições existentes. Por outro lado não são grande coisa a chamar-nos a atenção para algo que não muda, que continua. Um dos exemplos é que só sentimos a roupa que usamos em dois momentos, quando a vestimos e quando a despimos. É também o que nos leva a reparar num som contínuo apenas quando cessa. E aí sentimos um alívio de algo que não tínhamos reparado que nos estava a afectar.
De facto habituamo-nos fácil e rapidamente a tudo, ou quase tudo. Isto incluí os atentados visuais, os assaltos à paisagem. São tantos, tão diversos que a continuidade da exposição impede-nos de reparar na sua anormalidade, impede-nos de reagir ou de meramente nos chocarmos. É uma forma de dessensibilização.
Por isso quando alguém de fora nos chama a atenção tomamos de novo consciência da anormalidade daquilo que todos os dias está à nossa vista. Foi o que me aconteceu com pessoa amiga que veio de visita a Coimbra e ficou espantada com o Fórum Coimbra. No alto da “contra-colina” desafiando o bilhete postal da cidade orgulhosamente exibindo a sua própria Tôrre. Perguntavam-me como era possível, quem tinha autorizado…
São assaltos à paisagem que nela ficam gravados. Como o supermercado que esventrou a colina que suporta o Convento de Santa Clara-a-Nova. Como foi possível? Para instalar um supermercado?! Também na Figueira da Foz se verificou o mesmo no assalto à paisagem das Abadias onde agora se exibe, impante, também um supermercado em lugar de destaque.
Sim, as cidades desenvolvem-se e precisam de comércio e serviços. Mas a apropriação das vistas choca-me. O planalto de Santa Clara, de frente para o centro da cidade, poderia albergar um magnífico parque público e um museu por exemplo, a lembrar o parque de Montjuic e o Museu Miró em Barcelona. Mas não, espeta-se a catedral do consumo com um pastiche da velha Universidade.
Quando reparamos interrogamo-nos: como foi possível? Quem autorizou? Porquê? Como? Até que deixamos de reparar. O que é uma injustiça. Estes projectos foram analisados, informados e autorizados por pessoas. Por pessoas que têm como missão salvaguardar o interesse público. Por isso propunha que estes equipamentos tivessem, ao lado da placa da inauguração, uma placa de reconhecimento da participação de cada um, algo para a posteridade, por exemplo:
“Este projecto foi desenhado por A, foi analisado pelos técnicos B e C, que propuseram a aprovação, recebeu parecer favorável de D, e foi autorizado com os votos favoráveis dos senhores vereadores E, F, G…”
Talvez não acabasse com estes atentados mas eu ainda tenho alguma crença, inocente, na virtude da vergonha. E o reconhecimento é mais que justo.

Nota: de 4 a 12 de Maio decorre a semana sobre espécies invasoras, com iniciativas em Portugal e Espanha, saiba mais em: https://www.speco.pt/inveco/sei

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