Opinião: Identidades digitais múltiplas e “direito ao talento”

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No ensaio de 2019 com o título “The Healing Power of Gardens”, o neurologista Oliver Sacks apresenta os misteriosos efeitos restauradores e curativos da natureza sobre o corpo humano. Perdem-se nos anais da história as razões de base emocional, o paradoxo é aparente, que levam os humanos a desenhar e construir ambientes naturais “controlados” para lhes proporcionar efeitos tranquilizantes e reposicionamento de equilíbrios mentais. Imagens, sons e cheiros interagem com o arsenal neurológico do cérebro humano numa relação “mágica” que está longe de ser compreendida e contemplada em todas as suas dimensões.
O pluri-dimensionalismo sensorial é, aliás, uma caraterística dos tempos atuais que desafiam os sentidos e abrem terreno para pensamentos sobre o já visto, o previsto e o imprevisto .
O “homem médio” possui mais de trinta contas agregadas aos artefactos de comunicação de uso quotidiano como correio eletrónico, twitter, facebook, instagram, telegram e um sem número de credenciais de acesso a sites que determinam a transferência de dados individualizados. O resultado é o aparecimento do “divíduo” por oposição ou complemento ao “indivíduo”. Efetivamente, cada um dos artefactos é um canal de comunicação interativa com um objeto sem face, o programa/ algoritmo, que fica encarregado de vigiar e registar os cliques, tempos e percursos tomados “dividualmente” no universo digital. Com múltiplas “jornadas digitais”, os indivíduos são agora “divíduos”, representativos de identidades digitais multiplas, “partidas” e divididas.
Entre realidade(s) e possibilidade(s) urge perceber que o desenvolvimento do “direito ao talento” para trabalhar com multiplos agentes algorítmicos se torna crítico para a execução de tarefas em ambientes tecnico-jurídicos digitais, criptografados e co-construídos.
O “tecno-solucionismo” e toda a fenomenologia emergente do pensamento e produção algorítmica amplifica os ambientes de incerteza e complexidade, sem que humanos e máquinas tenham ainda realizado a necessária atualização mental, intelectual e sensorial para operar em atmosferas perpétuas de auto-execução contratual, onde o erro e o imprevisto continuam a justificar o investimento crescente nas ciências da educação para o relacionamento entre humanos e seus equivalentes “artificiais”.
Identificar e compreender atitudes e competências de base para uma interação efetiva ,transformadora e geradora de valor através de operações colaborativas com dezenas de agentes de software autónomo em contratualização “inteligente” e auto-executável, releva igualmente para uma atualização dos bens da relação jurídica e de um “direito ao talento” que se vem projetando em “Code Is Law”, mas também em “Code As Law” e onde as faculdades de “Hiring and Firing”
( empregar e desempregar) dos algoritmos devem ser realizadas sob monitorização deontológica e humanamente consequencial .

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