Opinião: Mercedes ou Dacia? Os desafios da produtividade

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Quando olhamos para os dados da produtividade não podemos deixar de nos dececionar com os valores relativos a Portugal, sobretudo quando os comparamos com a média europeia, à volta de 60%, ou com a Irlanda ou o Luxemburgo, sensivelmente, um terço. Estas disparidades não podem deixar de nos surpreender, de nos fazer questionar e de procurar encontrar formas que permitam ultrapassá-las. As pessoas perguntam-se mesmo: um trabalhador na Irlanda ou no Luxemburgo é 3 vezes mais produtivo? Os empresários e gestores não serão capazes de organizar as suas empresas e dotá-las de recursos que as tornem tão produtivas como as suas congéneres europeias? Será a formação dos nossos empresários e gestores a responsável por este enorme abismo entre a nossa produtividade e a produtividade alcançada em outras economias europeias?
Antes de mais, tenho a sensação de que temos uma má perceção do que é a produtividade e de como ela é medida. Quando comparamos a produtividade entre países, não falamos de produtividade física, o “número de unidades” ou a “quantidade de serviços” produzidos por um trabalhador. Falamos antes de uma produtividade global, que compara o “valor global da produção de um país”, o seu PIB, com o número de horas totais trabalhadas. Assim, podemos dizer que há duas grandes formas para aumentar a produtividade: podemos aumentar o numerador, aumentando o valor da “produção total”; ou reduzir o denominador, o número das horas trabalhadas, ou seja, aumentar a eficiência produtiva. Na verdade, costumamos concentrar a nossa atenção na eficiência operativa (tecnologia, organização do trabalho, …) onde, convenhamos, os ganhos não podem ser muito mais que residuais, face a este enorme fosso identificado. Um enorme esforço de modernização não nos faria ir muito além de uns 5 a 10%, se formos muito otimistas. Então, onde está a razão que justifica este abismo que nos separa das economias que se caracterizam por uma maior produtividade?
Vamos colocar a questão em termos simples. Imaginemos um trabalhador que por dia aplica 100 parafusos de aço e um outro que aplica 100 parafusos de ouro. Ambos trabalham ao mesmo ritmo e com a mesma tecnologia, mas o que aplica parafusos de ouro é infinitamente mais produtivo porque o valor da sua produção é, igualmente, infinitamente superior. Avancemos agora para um exemplo mais próximo de nós. Imaginemos um país onde se produzem carros Mercedes e outro onde se produzem carros Dacia. De forma análoga, um trabalhador que aplica 100 parafusos por dia nos carros Mercedes é muito mais produtivo que o seu congénere que aplica 100 parafusos em carros Dacia, e porquê? Porque, simplesmente, o primeiro contribui para uma produção com muito mais valor. Não esqueçamos que a produtividade compara o valor da produção com o número de horas trabalhadas.
Torna-se assim fácil entender porque o grande aumento de emprego no turismo contribuiu para uma enorme pressão no sentido do abaixamento da produtividade. Na verdade, trata-se de emprego mal remunerado e que produz serviços de baixo valor, com este efeito na produtividade global do país. Em contrapartida, o Luxemburgo que reúne uma infinidade de serviços da União Europeia, que tem um setor bancário poderosíssimo e tem pouca gente empregada na Indústria apresenta, naturalmente, uma produtividade, digamos, “estratosférica”.
Assim sendo, percebemos que devemos manter e aprofundar os esforços para melhorar a eficiência operacional das nossas empresas e dos nossos serviços. Todavia, uma evolução significativa, que encurte este enorme fosso que nos separa dos países mais produtivos da Europa, só poderá alcançar-se com mais Auto Europas, com empresas a produzirem produtos e serviços com mais valor, tentado ser uma economia mais próxima de produzir Mercedes do que produzir Dacia… E se só produzirmos carrinhos de mão, que seja com parafusos de ouro.

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