Opinião – Governo tende a enganar consumidores e Comissão Europeia

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“A Comissão Europeia instaurou processo contra Portugal por violação das leis da União em matéria de viagens.
O Governo ripostou já à Comissão, realçando que o decreto-lei adoptado em Abril passado tem um “regime excepcional e temporário”.
A legislação que prevê a emissão de ‘vouchers’, em caso de cancelamento de viagens organizadas por agências de turismo e de reservas em empreendimentos turísticos e estabelecimentos de alojamento local , “reuniu o mais amplo consenso possível, seja da parte dos operadores económicos, seja da parte dos consumidores”, tendo em conta a “excepcionalidade das circunstâncias associadas à pandemia”.”
Após a proibição pelo Decreto de Execução do Estado de Emergência das viagens de finalistas e do seu “reagendamento” compulsivo, veio a lume a 23 de Abril o DL 17/2020 que afrontou deliberadamente o ordenamento da União Europeia a que o País deve necessariamente obediência (v.g., a Directiva 2015/2302, de 25 de Novembro).
Aí se consignou, ao arrepio da legislação europeia, que:
“As viagens organizadas por agências de viagens e turismo, cuja data de realização tenha lugar entre o período de 13 de Março de 2020 a 30 de Setembro de 2020, que não sejam efectuadas ou que sejam canceladas por facto imputável ao surto da pandemia da doença COVID-19, conferem, excepcional e temporariamente, o direito aos viajantes de optar:
• Pela emissão de um vale de igual valor ao pagamento efectuado pelo viajante e válido até 31 de Dezembro de 2021; ou
• Pelo reagendamento da viagem até 31 de Dezembro de 2021.
• O vale (voucher) é emitido à ordem do portador e é transmissível por mera tradição.
• Se não for utilizado até 31 de Dezembro de 2021, o viajante tem direito ao reembolso a efectuar no prazo de 14 dias.”
• Se, porém, o titular da reserva se achar desempregado o reembolso do preço será imediato.
No limite, viagens pagas agora só serão eventualmente reembolsadas em 2022, num enorme hiato temporal que prejudica gravosamente as famílias.
Na ponderação de interesses, ante famílias que sofreram forte rombo com a situação que ocorre e as empresas que sempre terão à sua disposição os programas de financiamento que o Estado põe à sua disposição, não se concebe que hajam de ser os consumidores, as famílias a garantir a subsistência das agências de viagens sem quaisquer contrapartidas.
Além do mais, com o decretamento da pandemia a 11 de Março pela OMS, todos os destinos turísticos ou não seriam sempre locais de perigosidade acrescida, estando vedados aos viajantes, fosse qual fosse a origem.
Daí que não se perceba o facto de o legislador ter afrontado regras imperativas editadas pelo Parlamento Europeu e em vigor (n.º 2 do artigo 12 da Directiva), traduzidas na Lei portuguesa (DL 17/2018, de 8 de Março: n.º 4 do artigo 25 ), a saber:
“ … O viajante tem direito a [pôr termo a]o contrato de viagem organizada antes do início da viagem organizada sem pagar qualquer taxa […] caso se verifiquem circunstâncias inevitáveis e excepcionais no local de destino ou na sua proximidade imediata que afectem consideravelmente a realização da viagem organizada ou o transporte dos passageiros para o destino.
Em caso de [extinção] do contrato de viagem organizada nos termos do presente número, o viajante tem direito ao reembolso integral dos pagamentos efectuados para a viagem organizada, mas não tem direito a uma indemnização adicional.”
Com efeito, dizer-se com insuperável dose de demagogia à Comissão Europeia que a legislação “reuniu o mais amplo consenso possível, seja da parte dos operadores económicos, seja da parte dos consumidores” é, para além de uma falácia, um logro, uma clamorosa falta de amor à verdade. Que a ninguém convence e ao executivo retira toda a credibilidade.
A menos que o Governo confunda “consumidores e suas instituições” com o seu “órgão oficioso” e “braço armado” da empresa multinacional de testes e publicações que lhe dá suporte – a famigerada Deco – Proteste, Limitada.
Quer a ACOP – Associação de Consumidores de Portugal -, de âmbito nacional e dotada de reconhecida representatividade (porque com mais de três mil associados, conforme a lei) quer a apDC se manifestaram frontalmente contra, tanto no parecer ao Conselho Nacional de Consumo, como publicamente, em inúmeros ensejos, de então para cá. Reverberando e denunciando, desde logo, as pretensas negociações encetadas com as agências de viagens de turismo pela tal Deco (que lhes conferiam a parte de leão dos montantes a restituir, na íntegra, aos consumidores), num dar de mãos à associação do sector e às agências de viagens, vá-se lá saber porquê.
Os consumidores têm direito ao reembolso integral, sem mais. E poderão impugnar nos tribunais as normas editadas em Portugal a 23 de Abril p.º p.º, já que o juiz nacional é também o garante do ordenamento jurídico da União.

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