Opinião: Reindustrialização

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De Portugal, não espero muito. O país não se preocupa com a indústria. Há muito que não temos no Governo um interlocutor da indústria, respeitado, com peso real e político, que pense a indústria e tenha a missão de definir e executar políticas públicas que reforcem a nossa capacidade de produzir e criar valor com base industrial.

Mas a Europa, como continente, como espaço de paz, de cultura e de exemplo, tem um problema sério nas mãos, quando a pandemia do COVID-19 nos alerta para a necessidade de refletir sobre o caminho que idealizamos. Esse tema foi motivo de um seminário online que organizei esta semana com a Ana Lehmann (Secretária de Estado da Indústria do XXI Governo da República Portuguesa, que demonstrou entender bem os desafios que se colocam à indústria nacional). O tema era o de perceber se a pandemia tinha acelerado, na indústria e nos serviços, algum tipo de transformação que nos tornasse mais robustos a crises pandémicas futuras, mas também nos fizesse crescer em competitividade, flexibilidade e capacidade de acomodar situações em que a nossa mobilidade e disponibilidade presencial é abruptamente alterada. Nesse seminário online participaram dois excelentes oradores: Rita Marques (Secretária de Estado do Turismo do XXII Governo, em exercício) e Joaquim Menezes (CEO da Iberomoldes e Presidente da Associação Europeia de Investigação em Fábricas do Futuro – EFFRA). Foi um seminário muito interessante, com visões muito precisas sobre o momento que vivemos: no Turismo, setor que não conheço em detalhe, mas que tem muito a ganhar com a digitalização, capacidade de automatizar os procedimentos mais burocráticos, sem desumanizar o contacto; na Indústria, área na qual, por razões de competitividade e crescimento, está em curso uma profunda alteração a que se dá o nome de Indústria 4.0.

Do meu ponto de vista, esta pandemia mostrou claramente 3 factos muito relevantes:

1 ) A Europa não estava preparada. Apesar do enorme esforço de planeamento e execução de fundos estruturais; de se ter definido em 2013/14 que a reindustrialização da Europa era essencial; de se ter adotado em 2015, como resposta a uma evidente perda de competitividade e que se manifestava em crescimentos anémicos, um plano de digitalização da indústria europeia (Indústria 4.0 ), que tinha objetivos muito ambiciosos; na verdade, o foco nunca foi colocado nos dois aspetos que foram essenciais nesta pandemia: a) O teletrabalho; b) A capacidade de laborar de forma remota.

2 ) Isso é paradoxal, pois a Indústria 4.0 foi, justamente, desenhada como um plano para a Europa reganhar a competitividade perdida com a globalização e com a deslocalização de meios produtivos para espaços económicos mais competitivos em custos de contexto.

3 ) Que talvez seja necessário um Plano de Reindustrialização (estilo Plano Marshall), que tenha 3 objetivos centrais: a) Segurar na Europa aqueles que criam oportunidades, valor e fazem a diferença; b) Trazer a produção para dentro da Europa; c) Ser capaz de produzir rapidamente vários tipos de produtos que são essenciais em momentos de crise.

A Europa terá em breve um mega-investimento no sentido de ajudar a Economia a recuperar desse enorme abalo que foi esta pandemia. Muito desse investimento terá objetivos de curto-prazo, que se compreendem dada a situação de enorme fragilidade com que ficaram as pessoas, as famílias e as empresas. No entanto, seria muito importante, como ação até de uma nova estratégia industrial, reservar algum desse investimento para ações de mais-longo prazo, que ajudassem a construir um novo normal em que a Europa cria as bases de uma plataforma produtiva competitiva, flexível, muito ágil, inteligente, totalmente digital e que esteja preparada para sediar na Europa um novo esforço de produção. Esforço centrado na inovação, numa rigorosa identificação de áreas em queremos liderar – porque identificamos que temos condições para isso-, em objetivos específicos de coordenação efetiva (sem show-off) entre a indústria e a infraestrutura de I&D instalada (numa visão que o programa Horizonte Europa deveria partilhar) e permitisse, com bom-senso, a diferenciação nacional, cuja competitividade interessa à Europa porque nos torna globalmente mais fortes.

Em termos nacionais, isso significaria reunir um grupo de trabalho, com liderança forte (precisamos de um Ministro da Indústria), que idealizasse um plano de reindustrialização, construído de forma pragmática, tendo por base as nossas capacidades, mas também aquilo que diferencia a nossa indústria: empresas de pequena dimensão, fortemente especializadas, com mão de obra muito competente, que muito têm a ganhar com a digitalização total, com a automação e robótica, e com a inteligência natural e artificial, pois dedica-se a pequenas produções para mercados exigentes e fortemente diferenciadores.

 

Joaquim Noberto Pires escreve ao sábado, semanalmente

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