Opinião: Atenção, a cura também mata

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Portugal está, pela primeira vez, em estado de emergência.

Em consequência da pandemia por Covid-19, de um lado estão agora todos aqueles que, pela natureza das suas funções, se expõem diariamente a uma contaminação que será, mais cedo ou mais tarde, inevitável; e, doutra banda, todos os outros (nos quais me incluo) que têm condições para cumprir o ‘isolamento profiláctico’, trabalhando em suas casas, por forma a contribuírem para o atraso da transmissão daquele vírus.

Dois dos meus filhos estão em isolamento voluntário fora de minha casa (o que me perturba mais do que o razoável, confesso) e, por isso, cá em casa, resta-me a mais nova da prole, uma doce adolescente que muito ajuda a matar o tempo que me resta entre (tantos) telefonemas e mails de clientes angustiados com o futuro das suas empresas e, em particular, dos seus trabalhadores.

Sou advogada e – para minha sorte, porventura – na sociedade em que me integro grassa uma tendência para a hipocondria que, desde há muito, garantiu especiais cuidados na limpeza e algum distanciamento nos contactos, até. E eu, que pelos mais próximos sou apontada como a hipocondríaca-mor, fui no escritório a descontraída que, até há duas semanas (quando expressamente mos proibiram), dava beijos de ‘bom dia’ a toda a gente.

Agora, a trabalhar de casa – como deverão fazer todos quantos assim puderem assegurar as suas obrigações – oscilo entre uma atitude de confiança (reforçada pela convicção de estar a fazer tudo quanto posso para evitar males maiores e por um optimismo militante que por sorte raramente me larga) e o medo que o crescimento do número de infectados inevitavelmente provoca.

Como todos, penso em formas de preservar o resguardo do lar durante semanas ou meses, antecipo as dificuldades que todos teremos para cumprir os nossos compromissos, temo as inevitáveis consequências deste isolamento. E, apesar de tudo fazer para ignorar tais pensamentos, assaltam-me a lembrança os avisos de quem afiança que “perderemos pessoas de quem gostamos” e, por via deles, preocupam-me em especial os meus pais (pela idade), os meus irmãos (pela exposição que não podem evitar, já que um é profissional de saúde e a outra trabalha na grande distribuição, e agradeço-lhes – a eles e a todos os seus colegas – a enorme generosidade) e alguns amigos (pela sua especial condição de saúde).

Mas, a par do medo que me intimida quase tanto quanto o maldito vírus, cresce em mim a certeza de que está em nós a cura para esta ameaça.

Vamos sendo confrontados com muitos vazios: da lei (que não prevê tudo), das habituais rotinas (que nos garantem o rumo), e, pior, da solidariedade própria dos bons homens. E é este o mal que todos podemos e devemos ferozmente combater. Enquanto os cientistas testam vacinas e os políticos definem medidas que evitem o contágio, a todos nós cabe a vital missão de distribuir esperança e amor pelo próximo, aniquilando, assim, sem dó nem piedade, os piores efeitos de um vírus que compromete a nossa humanidade.

Vem-me à memória a música que encerra o mais célebre filme dos Monty Python, ordenando-nos que enganemos a morte com risos, danças, cantorias e assobios (o filme ‘A Vida de Brian’ – uma das melhores comédias de sempre – termina com um animado coro dos seguidores de Brian e dele próprio, todos crucificados: “Come on, Brian, cheer up/ Always look on the bright side of life”, i.e.., “Vá lá, Brian, anima-te/ Vê sempre o lado positivo da vida”).

Neste difícil momento, a opção não pode ser a de abandonar os eventuais infectados à sua própria sorte (rejeitemos os vergonhosos badalos que impúnhamos aos leprosos por medo de uma doença que não conseguíamos controlar), mas antes a de aniquilar o vírus com bondade e empatia (e, já agora, cantorias e assobios), protegendo os mais frágeis e mantendo o país a funcionar tão bem quanto possível, para que, passada a actual provação, não sucumbamos aos efeitos dos remédios usados.
É este, talvez, o perigo maior desta pandemia… não morrendo do mal, morrermos da cura.

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