Opinião – “O fim da Internet”

Posted by
Spread the love

Confesso que não compreendo o ativismo que Marisa Matias (deputada europeia do Bloco de Esquerda) decidiu adotar contra a nova diretiva europeia de direitos autorais. Aprovada em setembro pelo Parlamento Europeu (PE), esta diretiva encontra-se em discussão (Comissão Europeia, o PE e os estados membros). Diz a senhora deputada que “é o fim da liberdade na internet” e que esta diretiva só vai beneficiar “as grandes editoras”. Ora, digo eu (e todas as instituições nacionais e internacionais de defesa de direitos de autores, artistas e produtores) nem uma coisa nem outra. Será que para a senhora deputada os direitos dos criadores – autores e artistas – são de segunda categoria? Não me parece que seja essa a opinião de Marisa Matias. Julgo que se trata, somente, de uma visão pouco informada sobre o funcionamento da indústria de conteúdos no mercado digital. É que a verdadeira ameaça à liberdade e à diversidade é não permitir que criadores e intérpretes consigam viver do seu trabalho. A verdadeira ameaça à criatividade digital é não permitir que artistas e autores sejam justamente remunerados. O que existe atualmente é a desregulação total e a mais feroz concentração da riqueza através da exploração do trabalho dos criadores e da ingenuidade dos utilizadores. No caso da música, por exemplo, as previsões apontam para um crescimento das receitas do streaming de cerca de 500%, nos próximos 12 anos. Portanto, a nova diretiva não vem apenas colocar a justiça no mercado digital, mas vem também regular a própria economia: promover a redistribuição da riqueza, particularmente para os pequenos produtores fonográficos (no caso da música, por exemplo, constituída por artistas auto-editados). É contra isto que Marisa Matias se tem manifestado…
O que está verdadeiramente em causa nesta nova diretiva é a justiça de se remunerarem os criadores – autores e artistas – pela possibilidade que as plataformas dão aos utilizadores de partilharem esses conteúdos. Vem também terminar com o regime de desresponsabilização das grandes plataformas digitais que deixarão de poder disponibilizar conteúdos sem aferirem previamente da respetiva legalidade (estas medidas não afetam quem publica conteúdos protegidos nos seus blogs ou páginas da internet). Quem cria, e só quem cria, pode decidir o que fazer com a sua produção: dar ou vender, negociar a disponibilização ou continuar a partilhar e a permitir que outros partilhem livremente. É da mais elementar justiça que os criadores possuam a possibilidade de discutir em pé-de-igualdade as condições em que as suas obras podem ou não ser usadas. Simultaneamente, as plataformas serão obrigadas a devolver aos criadores a justa parcela da riqueza gerada à sua custa. Não podem as plataformas usar e abusar dos conteúdos dos criadores, definir as regras e ficar com os lucros.
Não podemos ter uma internet que exproprie os criadores à custa de um suposto “direito de acesso” que promove grandes lucros a quem distribui sem a devida remuneração aos criadores e sem que os próprios utilizadores saibam que estão a contribuir para esta máquina de fazer dinheiro com base na usurpação e na extorsão de quem cria e de quem utiliza.
Travar esta diretiva representaria um verdadeiro retrocesso civilizacional: seria a instituição legal da exploração da esmagadora maioria dos que fazem trabalho criativo; significaria privar os artistas do rendimento do seu trabalho; iria empobrecer a criatividade, a cultura e a economia.
Esta nova diretiva é um marco histórico. Uma vez mais, como noutros momentos da História, as Artes e em especial a Música, estão à frente do seu tempo e acabam por liderar o caminho para conquistas sociais de grande importância para toda a sociedade. Basta pensar no fenómeno do Jazz e no seu impacte geral e global. Mas isso ficará para outro fórum…

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

*

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.