Opinião – Por respeito, será agora?

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                                 Paulo Júlio

Estamos desolados e incrédulos com as dezenas de mortes provocadas pelo incêndio de Pedrógão Grande e Castanheira de Pêra que, nos dias seguintes até ao final desta semana, se estendeu a Góis, Pampilhosa da Serra, Penela e Alvaiázere. Arderam centenas de quilómetros quadrados de florestas, de casas e de vidas.
Nestes dias, foi um desfile de “especialistas” pelos programas de TV a desfiar um rol de banalidades e de ideias repetidas. Vimos e ouvimos de tudo. Desde um senhor que envergava uma gravata preta a defender de foram peremptória a plantação de mais eucaliptos, desde logo, porque sem eles aquela parte da região Centro não teria outro modo de sobreviver. Economicamente, claro, porque socialmente há muito que está a falecer.
Outros falavam em sentido oposto e outros ainda debitavam sobre os meios e as falhas no combate, para além das leis. Da ausência de leis que evitassem esta catástrofe que se transformou num drama nacional. Como é possível, no século XXI, na era das comunicações, num país da Europa ter acontecido o que aconteceu? Num país da Europa do Sul, com um clima “áspero” de verão , onde , ano após ano, os incêndios nos fustigam e nos colocam na aberturas de telejornais pelas piores razões? Como é possível, ano após ano, normalmente em Setembro, apesar da desgraça nacional, estas regiões serem novamente votadas ao ostracismo? Como é possível que os vários assuntos relacionados com estas regiões mais despovoadas, mais envelhecidas e com uma orografia mais montanhosa, não sejam tratados de forma integrada pelos nossos sucessivos governos, ficando à mercê das capelas e dos pequenos poderes de cada Ministério? Como é possível que alguém que faz ou dita legislação, não perceba que a maioria dos pequenos proprietários têm uma pequena reforma de 200€ que obviamente não dá para limpar terrenos? Como é possível haver almas em Portugal que não percebam que quando as temperaturas são elevadas, a humidade é baixa e a densidade de floresta é enorme, não há bombeiros que nos valham? Infelizmente, tudo isto não só é possível , como é a mais dura realidade.
Para todos os que tiverem curiosidade, vão a um motor de busca da internet e escrevam “Decreto-Lei 124/2006”. Transcrevo o preâmbulo porque vale a pena fazê-lo num País que parece estar sempre a inventar a roda e que não tem coragem. Sim, não tem coragem e quando, nalgum assunto alguém é mais afoito, há sempre mil vozes a resistir à mudança.
Mudança, essa bendita palavra para os outros, desde que não nos toque a nós. Dizia o preâmbulo dessa lei que tem 11 anos de idade: “A floresta é um património essencial ao desenvolvimento sustentável de um país. No entanto, em Portugal, onde os espaços florestais constituem dois terços do território continental, tem-se assistido, nas últimas décadas, a uma perda de rentabilidade e competitividade da floresta portuguesa. Conscientes de que os incêndios florestais constituem uma séria ameaça à sustentabilidade económica do País, urge abordar a natureza estrutural do problema”. Esta lei inclui regras para limpeza, espaços de contenção de incêndios junto de aldeias ( 50 metros) , junto das estradas ( 10 metros para cada lado), ordenamento florestal, zonas de intervenção florestal , enfim um rol de assuntos que , por uma razão ou por outra, não foram aplicados na realidade. Ou foram e deixaram de ser porque os governos mudam e começamos tudo de novo. Como, provavelmente, se vai fazer outra vez. Talvez as muitas dezenas de vidas dizimadas, desta vez, por respeito, por vergonha, por revolta, possam constituir a razão para se fazer o que ainda não foi feito, compreendendo a realidade social destes territórios, confrontando os lobbies e os interesses instalados, e começando a resolver. Que a esperança e o luto que devemos às famílias dos compatriotas que pereceram, possa ser a força de fazer o que deve ser feito, sem meias medidas. Se assim for, daqui a 10 anos, talvez não tenhamos de fazer mais uma lei repetida. Além das leis de ordenamento florestal ou de combate a incêndios florestais, também se espera que a onda de solidariedade geral estimule as autoridades a olhar , definitivamente, para os territórios de baixa densidade entalados entre as duas áreas metropolitanas que , ao contrário do que afirmava o senhor que comentava de gravata preta, pode ser muito mais do que um simples eucaliptal.
Com tudo o que se passou, o mínimo que instituições como a AICEP deveriam fazer, era canalizar dois ou três investimentos estruturantes para estes concelhos que foram dizimados nos bens materiais e na alma. Se não for desta, não temos emenda. Choramos os mortos e revoltar-nos-emos mais por sermos de brandos costumes e não sermos capazes de resolver os nossos problemas mais estruturais. Se finalmente o conseguirmos fazer, não faremos mais do que a nossa obrigação.

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