Opinião – No sonhar é que está o ganho

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Manuel Rocha

Manuel Rocha

Os provérbios também têm categorias – há os bem-calhados, os mal-calhados e os assim-assim. Diz-se “no poupar é que está o ganho” e o comum dos mortais, por norma pouco avantajado de posses, dirá “quem dera” – as contas a cair na caixa do correio sem dar possibilidade a poupanças. É um provérbio assim-assim.

Já nas coisas do gastar houve até um primeiro-ministro e candidato a regresso de funções – o diabo seja surdo cego e mudo! – que vai ficar para a História das coisas fracas do mundo como aquele que decretou andarmos todos “a viver acima das possibilidades”. Ardiloso, o enxotado governante. Disse “todos” e convenceu muitos de que o pão inteiro que comiam em 2010, sendo mais do que o quarto de pão que aos seus pais cabia em 1973, era o pecado da abundância. E que o posto de trabalho em que vendiam os braços e a inteligência não passava de um privilégio a precisar de ordenamento. Tivesse o povo deixado e estaríamos ainda mais abaixo na tabela da desvalorização do trabalho e dos trabalhadores, os tais que um patrão dos banqueiros vaticinou que “aguentam” sempre, mesmo que, como no poema do Vinicius, a sua marmita seja o prato do patrão, o macacão de zuarte seja o Armani do patrão, o casebre onde moram seja a mansão do patrão, a dureza do seu dia seja a noite do patrão.

Os orçamentos de Estado do tal primeiro ministro eram de “no poupar é que está o ganho” quando se tratava da coisa pública, do povo comum e dos pequenos e médios empresários; e de “no gastar é que está o ganho” quando se tratava de banqueiros, de industriais da educação e da saúde, de amorins e similares. Por isso é que perdeu as eleições, no dia em que “ganhar as eleições” deixou de ser negócio de “alternância” – Passos Coelho teve menos votos do que aqueles de que precisava para continuar a criar provérbios…

Um orçamento a sério, um daqueles de que Portugal precisa, poupa no que deve poupar e gasta no que é preciso gastar. Ora gastar bem significa distribuir manuais escolares a 370.000 mil crianças do 1º ciclo EB, reforçar a Ação Social Escolar, descongelar o Indexante dos Apoios Sociais, apoiar os desempregados de longa duração, alterar os parâmetros do regime contributivo dos trabalhadores a recibos verdes, apoiar e estimular o labor dos pequenos e médios empresários (reduzindo custos energéticos), aumentar pensões e reformas, aliviar a tributação sobre as pessoas com deficiência, reforçar as verbas para o apoio às Artes. É o que o Orçamento para 2017 vai fazer. E mais poderia fazer se tivesse a coragem de resolver tibiezas quando se trata de tributar os lucros e dividendos do grande capital e da especulação financeira. Ou de recusar a imposição “europeia” das “metas”, que são o chicote económico e orçamental com que a União Europeia ameaça a nossa vontade de desenvolvimento. Lá chegaremos, quando se perceber que “no lutar é que está o ganho”.

Para já, trata-se de enfrentar o futuro com o alívio, ainda que mínimo, que o PSD e o CDS nos tinham roubado. E de fazer orelhas moucas aos mil comentadores da desgraça, às mil notícias da rotura, aos mil prognósticos catastrofistas dos tarólogos da direita portuguesa.

Há por aí quem diga que “no sonhar é que está o ganho”. Seja então por aí que vamos, que o fim da História afinal não existe.

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