Vivem submersos em linhas vermelhas. Um trabalhador que paga renda e está a tentar comprar um carro, se tiver um filho apenas, vive afogado em dívidas e balizado por traços vermelhos. Um português com renda de 400 euros, crédito automóvel de 150 euros e um salário de 1200 euros líquidos está para lá da riqueza. Tem seiscentos e cinquenta euros para se bater com a luz, a água, os seguros, a escola dos filhos, alimentação. O que não pode fazer? Meter-se em quezílias por mais justas que sejam. Atirar-se a umas férias no Algarve por mais curtas que lhe pareçam. Comer três dias por mês em restaurantes. Os portugueses, que vivem acima do salário mínimo e trabalham, conhecem as linhas vermelhas de António Costa.
Sabem que a espera é o remédio da doença. Sabem que consultas privadas são um recurso longínquo. Abandonaram partes do corpo para fazer face ao dia a dia: os dentes ficam para depois. Quando apodrecem é só tirar. Os óculos podem ser os da avó – afinal são tudo heranças. A dureza de quem se faz à vida e a vida não ajuda. A realidade dos mil e duzentos líquidos não está distante dos dois mil brutos. A mágoa é fazer contas com os registos todos.
Um conflito no trabalho é uma barreira perigosa, uma linha próxima da fome. Uma reivindicação num emprego instável pode ser o fim do contrato. Assim criamos a submissão dos simples. Assim construímos o espaço dos que servem e se calam. Vão gritar nas redes sociais, vão lutar pelas suas ideias com cara de árvore, com foto de gato, mas sabem que há um risco elevado se saírem da clandestinidade. O mundo dos que trabalham por salários que já foram bons é agora a realidade dos salários mínimos de 1987. A subida de salários só faz sentido se a carga fiscal for reduzida e sobretudo as necessidades do voraz estado forem controladas. Os que trabalham não podem levar às costas a ideologia da distribuição que perpetua a miséria em esmolas, dádivas de favor político. O Estado que se lança a ter mil tarefas e nada produz tem que ir buscar os seus rendimentos aos bolsos dos que trabalham e dos que vendem e fabricam. A franja nacional dos simples é cada dia maior e a sua cegueira na realidade é cada dia mais profunda. Trabalham para se safar da pobreza, mas ela agarra-os como um filho faminto aperta o pescoço da mãe. Cegos estendem a mão e lá vem as benesses pequenas que os prendem à gratidão, à esmola e os trazem todos os dias ao cartão: trabalho, recebo e sou pobre na mesma – ajude-me! Este é o Portugal que me insulta e me revolta cada dia mais.