Opinião – Devolver a esperança

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Norberto Pires

Norberto Pires

O pior de tudo é a inatividade provocada pela percepção do impossível, da impotência perante as dificuldades e pela ausência de grandes objetivos, civilizacionais e coletivos. Se qualquer coisa não é impossível, e nada é, então deve haver uma forma qualquer de o fazer, mobilizando as pessoas (dando-lhes esperança). Sinto falta desse discurso, sinto falta desse realismo resiliente com os olhos postos no futuro, sinto falta de grandes objetivos de médio e longo prazo e explico com isso a falta de esperança que se sente em toda a Europa.

O discurso da Europa não pode esgotar-se no objetivo de atingir deficit orçamental zero, ou em pagar uma gigantesca dívida que atinge números astronómicos. Esses deverão ser objetivos intermédios (instrumentais) devidamente definidos em tratados e em metas comuns (é uma exigência de realismo), necessários para tornar possíveis outros de dimensão civilizacional. O problema da Europa é esse mesmo, fica-se pelos objetivos instrumentais, pelos egos nacionais e nada tem a dizer sobre o futuro, sobre o que quer ser e com isso esvazia a própria ideia de um espaço comum de paz, focado nas condições de vida de todos os seus cidadãos, de solidariedade, de justiça, de democracia e liberdade, capaz de uma ação comum no mundo.

Os mercados de capitais são essenciais, mas são instrumentais. O projeto Europeu não pode viver em função da liquidez no mercado de capitais. Não podemos ignorar nada disso, nem deixar de estar superatentos e ser muito exigentes na disciplina económica e financeira. Mas um projeto mobilizador de dimensão civilizacional não pode esgotar-se nisso. É esse o problema da Europa.

Uma mensagem de esperança é por isso fundamental neste momento. No entanto, o que vemos e ouvimos limita-se a acusações de parte-a-parte, centradas na política nacional, quezílias e alijar de responsabilidades. De tudo, da qualidade do discurso e dos respetivos argumentos, resulta a ideia de que nada aprenderam e que está tudo a ser construído em bases muito frágeis e em novos enganos. Não pode ser.

Tem de haver uma recusa firme, solenemente comprometida, de que não voltamos a situações humilhantes como aquelas que aconteceram a Portugal, Grécia e Irlanda, mas também a Espanha e Itália. Não é possível viver acumulando dívida pública e privada, e engendrar mecanismos para ir buscar dinheiro ao futuro comprometendo as gerações ainda não nascidas: como se fez no caso das PPP.

Não é possível que isso aconteça e não tenha consequências pessoais e políticas para quem atua dessa forma irresponsável e criminosa. Não é possível viver sem recuperar os valores financeiros sonegados a todos através fraudes monstruosas como a do BPN, punindo severamente os responsáveis.

Não é possível viver com a realidade de ter recebido milhares de milhões de euros em fundos comunitários e não ter dado o salto de competitividade, organizativo e de eficiência que era necessário; antes pelo contrário, muitos desses países, como é o caso de Portugal, desperdiçaram grande parte dos fundos, construíram aquilo de que não precisavam, criaram dívida e custos fixos que não conseguem suportar.

Não é possível saber tudo isto e nada fazer para que não volte a acontecer, e providenciar para que mude. Não é possível continuar a viver sem planeamento cuidado e sem debate de opções. Não é possível que a democracia não se renove reformulando de forma radical a maneira como se pratica.

Temos de ser capazes de colocar de novo o debate no centro do edifício democrático, elegendo quem achamos melhor, recusando as escolhas de diretório partidário e permitindo opções preferenciais, círculos uninominais e, de uma maneira geral, maior identificação entre eleitos e eleitores, e maior responsabilização. É essencial que voltemos a acreditar nas instituições, que lhes reconheçamos mérito e justiça, pelo que elas têm de se credibilizar e dar o exemplo de conduta e responsabilidade.

E sim, ser direto e frontal é um mérito e é urgente.

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