Opinião – Do porta-a-porta ao microtargeting

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BRUNO PAIXÃO opiniaão recorteBruno Paixão

Estavam enganados os que vaticinaram o fim da campanha porta-a-porta. Quando o tempo da comunicação de massas chegou, percebeu-se que, em poucos segundos, era possível chegar a milhões de pessoas. Mas, com ela, passámos a ser parte de uma amálgama de gente sem voz, sem rosto e sem identidade. Todavia, eis que a extinta campanha porta-a-porta reaparece, passando de lagarta repugnante a bela borboleta da comunicação política. Hoje, os novos entusiastas chamam-lhe microtargeting. Este renovado modelo ameaça fazer com que outras estratégias recentes cheirem a mofo.

O microtargeting, a partir da construção de bancos de dados sobre os cidadãos, permite aos políticos conhecer quem é cada eleitor, como e quando toma as suas decisões, que temas prefere, se está disposto a absorver uma comunicação mais ousada, e por aí adiante.

Vejamos um exemplo. Quando navegamos na internet e nos aparece uma publicidade, é crível que o seu conteúdo provenha do microtargeting. O anúncio que recebemos foi previamente selecionado de entre uma lista de vários. O sistema escolhe qual deles enviar a cada pessoa em função de uma análise automática ao seu perfil. Isto é microtargeting. Na política, estas tecnologias ficaram mais conhecidas quando Barack Obama organizou uma estrutura tecnológica para saber quem procurar e o que dizer, conseguindo assim enviar mensagens diferenciadas a várias pessoas da mesma família que vivem na mesma casa. A estratégia traduziu-se em milhões de votos.

Recebi há uns dias uma comitiva do Canadá que visitava a universidade e vinha muito focada em discutir o microtargeting e as suas soluções tecnológicas. Temos um árduo caminho a percorrer, pois para aplicar a técnica é preciso construir um banco de dados que contenha dados demográficos, perfil de adesão ideológica, preconceitos, hobbies, comportamento eleitoral, nível de fidelidade aos partidos… Quanto mais variáveis juntarmos, maior será o conhecimento sobre o segmento. Após diferenciar cada eleitor, há que escolher o que comunicar para melhor captar a sua atenção, através do meio mais adequado, seja o telefone, o e-mail, a carta, a visita, ou a combinação de vários. Não se admire, por isso, se qualquer dia lhe baterem à porta…

 

Nota de rodapé: Uma pessoa foi esta semana abordada no seu carro, perto de casa, por um indivíduo encapuçado, que lhe apontou uma arma e lhe levou o carro e outros haveres. Isto não aconteceu na Colômbia, na Venezuela ou nos EUA. Aconteceu na (ex) pacata Coimbra, a um amigo meu. Há uma sociedade transformada e há decisores que se mantêm cavos na miudeza isolada das suas políticas e dos seus becos. Enquanto isso, assisto triste a uma cidade que vamos vertiginosamente perdendo, infelizmente.

 

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