Opinião – Vade-Mecum

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Lucílio Carvalheiro

Entre as forças de mudança que este Governo deve empreender sobressai, como factor de maior importância, a gravidade, o colapso político da agenda seguida.

Precisamente. Terá, passado um ano, que confessar as suas falências: incapacidade de manter o peso da dívida pública no PIB – não a reduzindo, aumenta-a para 118%; paralelamente não conseguiu, não consegue, reduzir os seus compromissos, no campo político como no financeiro.

E segundo os próprios analistas oficiais, INE e CTEO, a posição é esta: no plano da produção, no volume do comércio, no conjunto de bens e serviços, houve e está a haver um forte declínio – falências em série, crédito mal parado num “movimento uniformemente acelerado”, desemprego para além dos 15%, quebra de receitas fiscais significativas, redução drástica do investimento privado, abolição do investimento público, êxodo das sedes sociais das empresas cotadas em bolsa (PSI 20) – tudo indicadores de exaustão de uma sociedade civil compelida a um nível de vida inferior e sem esperanças de melhores dias; pressente-se revolta, escondida, perante um estado permanente de tensão psicológica e de coação moral, intelectual e política; percepção, nítida, que a pobreza individual passará, muito em breve, a ser maioritária perante o conjunto – daqui a ressurreição do espírito religioso, de que a maior concentração recente de fiéis no Santuário de Fátima é sintoma, e a reafirmação das raízes populistas quando vem a lume um maior vencimento de um ou outro quadro superior, seja político, seja profissional; e ainda outras realidades dramáticas.

Afigura-se, por demais evidente, que o concerto saído com o memorando – troika – se esgota e atingiu o seu fim contractual. A humilhação de um PAÍS não pode chegar ao ponto de autorizar uma política de total “terra queimada” onde, das cinzas se produzirá “riqueza” de sobrevivência – já se apregoa o regresso ao cultivo de subsistência –; onde, os salários abaixo de um limiar aceitável seja argumento de competitividade empresarial; onde a falácia argumentativa da dívida soberana seja o “mal” a esconjurar. Neste item é bom recordar que tem aumentado e não diminuído; é bom recordar que não é certo que nos possamos financiar nos “mercados” seja em que data for – não produzimos riqueza, nunca poderemos ter crédito. E a formulação desta hipótese talvez nos permita uma resposta à pergunta que deixei velada e em suspenso: E agora? E depois? Os termos do dilema político que vivemos indicam-nos os adversários prováveis ou possíveis da sociedade civil que, de momento, está branda, discreta, fazendo ou parecendo fazer o jogo partidário de rotina, “bom aluno” da troika; mas terá a sua palavra a dizer; e essa palavra, o meu grande receio, é que seja de revolta contra o sistema partidário democrático por os considerarem instalados, confortáveis, imobilistas.

Decerto. Nunca nenhum credor deseja que o devedor não tenha condições para solver os seus compromissos. Razão pela qual digo que configura crime social, o Governo orientar toda a sua política numa perspectiva de empobrecimento material, anímico, do seu povo; é crime social a destruição do tecido empresarial; é crime social a obsessão pelo subsistema financeiro, sector que só se torna interessante se fundamentado num sistema económico saudável; é crime social subverter a realidade.

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