A miséria do nosso tempo

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Aires Antunes Dinis

Olhando em redor encontramos rostos amargurados, vencidos pela crise que os deixa sem esperança, mas nada é novo. Só as mezinhas que querem curar o mundo. Não admira que alguns procurem encontrar na caridade empenhada a solução dos problemas. Acontece agora e aconteceu também em 1932, quando Salazar quis equilibrar com brutalidade as contas do Estado. “É assim que nasce o «Recoveiro dos Pobres». Assim, sem descanso, sem horas, sem dias, é o Padre Américo na sua capa e batina como doido pelas ruas da baixa de Coimbra, onde o chamem ou tope miséria”. 1

Tal como agora aconteceu, um governo desatinado da ditadura militar, liderado pelo ministro das Finanças, general Sinel de Cordes, tinha encaminhado o país para uma grave situação financeira, em que aparecia como única saída o recurso a um empréstimo da Sociedade das Nações. Repudiado este pela ditadura emergente de Salazar, só uma política de enormes sacrifícios podia resolver a situação financeira do Estado. Por isso, D. Manuel Luís Coelho da Silva, bispo de Coimbra, cumprindo as teses de Leão XIII, tentava subtrair os trabalhadores à influência bolchevista e anarquista e reatava a União Operária, como nos informa Arnaldo Madureira em “A Igreja Católica na Origem do Estado Novo”, publicado por Livros Horizonte, em 2006, p. 107. E como a austeridade ia ser reforçada, e a censura e a repressão policial não resolviam tudo, era necessário mobilizar os católicos para que houvesse alguma humanidade na política salazarista que apoiaram sem tibiezas. Para alguns, era então necessário como agora esconder a origem da dívida!?

O campo era então cultivado e as aldeias estavam cheias de gente, que labutava de sol a sol num processo retrógrado de subsistência. Tal como agora havia muita fome e miséria, mas como Salazar fechou muitos jornais, pouco sabemos agora. Só as actas das associações comerciais como a da Guarda o registam. E como o Estado Social não existia e a emigração estava parada, por a economia mundial estar em crise económica, não havia esperança.

Infelizmente, agora, a crise financeira, que ninguém quer explicar, sufoca os povos e ameaça desempregar cada vez mais pessoas, enquanto o sistema bancário se agarra ao estado social como tábua de salvação, ameaçando afogar-nos a todos. De facto, o desemprego cresce e faz aumentar o número de famílias insolventes, que tentam sobreviver, sabe Deus como. Não admira que todos nos sintamos impotentes para as ajudar. Felizmente, há instituições de solidariedade social que minoram o seu sofrimento.

Mas, a verdadeira ajuda será aquela que nos liberte das cadeias de sofismas, as “regras económicas” geradoras de miséria, algo que só a nossa coragem e inteligência pode fazer.

1 José Fernando Coelho Ferreira – Padre Américo: Vida e Obra, Edição do Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Penafiel, 1987

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