Portugal não tem um Estado nacionalizado. E é à luz desta ideia que interpreto a actual crise, os acontecimentos, as figuras. Estamos descrentes de nós próprios, estamos reduzidos ao mínimo nos nossos recursos e no nosso espaço; as nossas estruturas enfraquecidas; infiltrados por interesses económicos e financeiros alheios, obedientes a comandos estrangeiros – troika e agências de rating. E neste particular importa acaso abrir um parêntesis: em consciência, com objectividade e com isenção, não podemos responsabilizar este ou aquele político, este ou aquele partido, este ou aquele grupo social ou económico – são responsáveis apenas todos os portugueses.
Certo é que estamos perante uma crise de todos os conceitos, princípios, valores, normas – e em todo o tecido social. Desde logo, está em jogo a autoridade do Estado – quando se pede que o Estado dialogue com as diversas corporações socioprofissionais, estas não interpretam o diálogo como uma conversação; no fundo, supõem a compreensão prévia do Estado, a aceitação das suas propostas, mesmo antes de qualquer troca verbal. Caso contrário, manifestações de rua, chantagem económica. O Estado fica refém e em causa o seu limite de actuação e a definição da uma fonte de autoridade, onde a parlamentarice, com personagens de ficção política, proporciona a ilusão do poder governativo (para quando a eleição de uma Câmara Alta que corrija os devaneios da parlamentarice partidocrática?); não identificamos qualquer medida de justiça, e não há consenso sobre a sua legitimidade; não há acordo quanto à linha divisória entre acto político e acto do Estado, justiça social e iniquidade individual, distribuição de riqueza e parasitismo socioeconómico, produtividade e exploração humana (trabalho precário contratos a termo ou a prazo), estratégia de Governo e estratégia de poder, administração e proteccionismo político-partidário.
Quero com tudo isto significar que há ainda quem advogue (os defensores do liberalismo puro) que para ser livre e progressista a sociedade, deve ser fraco o seu Governo – menos Estado melhor Estado! Estamos nesta fase, diluído o poder do Estado, de fraqueza em fraqueza, dissolve-se o próprio Estado; e o Estado Português hipertrofiado está de tal forma constrangido que a continuar desta forma será inevitável o colapso das estruturas sociais e administrativas. E é a própria liberdade política, colectiva e individual, que está a ser posta em causa. E convém não esquecer que de tudo o que muda, o que menos muda é a natureza humana (o homem) e os seus sentimentos básicos.
Pois bem. Chegou a altura de ponderarmos seriamente o que nos diz a nossa consciência quanto aos interesses profundos e permanentes da sociedade civil a que pertencemos, e aos nossos próprios. Decerto: dentro da verdade, da justiça, do direito, da liberdade, que só um Estado forte nos pode garantir; mas para tanto, em primeiro lugar, haverá que (re)nacionalizar o Estado.