Um passeio ao campo

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Falamos agora de violência no desporto e logo a seguir de corrupção, mas já em 1951, ano em que nasci, ou como escreve Herberto Hélder em 8 de Janeiro de 1972:
“No gracioso ano de 1951, fomos todos ver um Académica-Benfica, em Coimbra. Éramos um grupo que se tinha vindo a preparar desde muito cedo, com copos de vinho e pasteizinhos de bacalhau. Foi uma boa preparação, porque, quando chegámos lá, estávamos prontos para uma quantidade de coisas. Para gritar, por exemplo. Começámos a gritar. De repente, alguém achou que era necessário as pessoas darem porrada umas nas outras. Então demos porrada umas nas outras. Depois acabou. Nunca mais fui o futebol. Tinha sido divertido de mais, e eu receava dedicar o resto da minha vida às fascinações do tinto, do grito e da batatada no meio da cabeça.” 1
Aqui pela ironia com que se descreve o que então aconteceu, podemos concluir que tudo aconteceu por o vinho ser demasiado bom ou os espetadores não terem aprendido a beber com moderação. Agora, e pelo que me dizem as conversas com amigos, tudo é bem diferente por o dinheiro em jogo ser muito e servir demasiadas para alterar os resultados finais de cada jogo, havendo por isso falseamento da verdade desportiva e indetermináveis ganhos ilícitos para gente indeterminada.
De facto, há possíveis ganhadores nos mercados de apostas desportivas e há ainda mercados das transferências, onde a reputação de cada jogador é aí avaliada, determinando o valor que irá receber dos clubes e da publicidade nos curtos períodos de trabalho que vão ter como profissionais/heróis desportivos. Há ainda outros mercados difíceis de enumerar.
Antes de ser um jogador bem cotado, cada um dos heróis em causa esteve numa escola de futebol nos treinos e jogos em que começaram a mostrar as suas potencialidades. Aí, os pais muitas vezes portam-se pior que os filhos pois depositam neles esperanças infundadas, criticando-os sem nexo e envolvendo-se em cenas de pancadaria com os pais dos adversários desportivos dos filhos, envergonhando-os.
Aprendi isto com colegas e amigos, que são treinadores de diversos desportos que trazem ganhos e como ninguém gosta de perder, acontece muitas vezes que quando os filhos jogam por prazer no campo, veem com vergonha os pais a bater-se nas bancadas de forma pouco desportiva.
Tudo nos mostra uma doentia forma de olhar o desporto que resulta de uma sociedade que está à deriva quanto ao que pretende o futuro. Por isso, deixou de olhar o desporto como uma forma de preparar corpos sãos e mentes sãs para o futuro que todos queremos de gente saudável, leal e bem preparada para lutar por uma vida em que todos ganham económica e socialmente.
Infelizmente, tal como tudo agora acontece, todos iremos perder.

1 Herberto Hélder – Em Minúsculas: Crónicas e Reportagens de Herberto Helder em Angola, Porto Editora, Lisboa, 2018, p. 115.

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