Opinião: Sabia que está OnLife?

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O tempo parece estar a correr cada vez mais veloz e uma das suas singularidades reside no facto de a modernidade o estar a acelerar. Numa curta fração, sem sairmos do sofá, conseguimos visitar o mundo. Percorrê-lo já não leva 80 dias, nem 80 horas, nem sequer 80 minutos. Podemos experienciar países e locais onde nunca estivemos, privar com amigos e companheiros que nunca vimos, contemplar galáxias, observar em tempo real o outro hemisfério do planeta.

A realidade… deixou de ser a realidade, e é de tal maneira evasiva que ao proclamá-la há sempre o risco de a ver desmentida por factos alternativos. Por isso, tornou-se mais seguro, mesmo para a ciência, falar de suposições e de perceções. A explosão das redes sociais é um dos mais lautos exemplos, que tem causado várias inquietações.

Por impulso da União Europeia, um grupo de 15 pesquisadores, da sociologia à neurociência, passando pela engenharia, pela comunicação, pelo direito e pela ciência política, coordenado pelo filósofo italiano Luciano Floridi, professor de Filosofia e Ética da Informação na Universidade de Oxford, procurou responder ao que significa ser humano nesta época hiperconectada, resultando daí o documento “The Onlife Manifesto”, analisando as consequências das transformações ocasionadas pela explosão das redes digitais.

Se ainda ontem bastava, para ficarmos offline, desligarmos da corrente os nossos aparelhos, hoje verificamos que não há mais separação possível entre estar conectado e desconectado das redes digitais. O novo paradigma das experiências humanas transcende o conceito de vida online e offline. Praticamente tudo o que fazemos é suscetível de ter uma qualquer teia digital que nos liga ao fio da vida hiperconectada, alterando insofismavelmente a nossa relação connosco próprios, com os outros, e com o mundo. Para definir esta forma de estar, que estilhaça os vetustos conceitos do online e do offline, Floridi cunhou o termo “OnLife”.

Para melhor se perceber esta questão basta imaginarmos um estuário, que é constituído simultaneamente por água doce e água salgada, incorporando as duas condições e fazendo resultar daí um estado permanente de água salobra. Há muito que as tecnologias de informação e comunicação deixaram de ser consideradas meras ferramentas, passando a ser forças sociais com capacidade de atingir a nossa autoconceção sobre quem somos, a forma como nos socializamos com os outros, a nossa compreensão da realidade e o que fazemos a partir dela.

De facto, a neblina que turva a distinção entre o real e o virtual é um dos mais cristalinos sinais da nossa era. Uma boa parte dos novos media, incluindo redes sociais, amplifica deliberadamente os enfoques que são mais favoráveis ao seu negócio, manipulando dados, favorecendo o entendimento de que a sua perspetiva é “a” realidade. Tratando-se de uma tendência que de forma galopante se vai generalizando, o cenário de escassez de informação que noutras épocas vigorava deu lugar a um panorama de abundância. Os chuviscos de outrora passaram a enxurradas de informação que num ápice alagaram a perceção dos cidadãos.

Criaram uma nova realidade, forneceram uma nova vida à sociedade e anestesiaram o mundo de tal maneira que até os Estados se tornaram impotentes quando comparados com os colossos do digital. Ganhar ou perder eleições pode depender mais do algoritmo do Facebook do que dos candidatos. Ninguém estranha por isso que este caudal excessivo de informação esteja a ter impacto nas nossas capacidades cognitivas, pois quando sobrecarregados tendemos a ficar menos atentos ao momento presente.

Compreende-se por isso que os investigadores tenham concluído que é preciso prestarmos mais atenção à atenção, caso contrário perderemos esta caraterística da genética humana que é uma das chaves para a nossa existência e para a nossa relação com os outros.

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