Opinião – Emoções e política

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O discurso político tem sido amplamente estudado em diversas disciplinas, não só quanto aos seus fins como também quanto às suas características. A grande tendência dos estudos contemporâneos, seguida atentamente por partidos, políticos e assessores, tem sido centrada na natureza persuasiva da comunicação e do discurso, tendo em conta a conquista ou a manutenção do poder.
A época que coincidiu com a queda do muro de Berlim marcou também, do ponto de vista da comunicação política, uma era de definhamento derradeiro da política ideológica um pouco por todo o mundo ocidental, dando lugar à ascensão do indivíduo, do político-estrela. Hoje, vota-se mais no candidato do que no partido. É claro que o período de grave crise financeira que o mundo viveu recentemente surgiu como um eclipse, que momentaneamente permitiu um vislumbre da política ideológica e das suas nuances que timbram as diferenças substanciais na governação à esquerda ou à direita. Mas o eclipse passou e o individualismo voltou a raiar no amanhecer dos povos.
Não havendo argumentação ideológica que consiga triunfar sobre a virilidade de um político carismático, o debate manchou-se de cor-de-rosa, a tonalidade das revistas em que a nova política passou a ter lugar, tal como na imprensa tabloide e sensacionalista. E assim tem-se lavrado um terreno fértil à informação voyeurista, de entretenimento, sem substância, que se deixa inspirar mais num sorriso que num conteúdo, mais num slogan que numa ideia. Aqui, a suavização emocional da mensagem é meticulosamente estudada para produzir o melhor efeito, acionando estratégias de manipulação, estórias e enredos astutamente descontextualizados, utilizando interpretações enganosas, criando verdades alternativas, ou pós-verdades, como armas políticas de desinformação. É a gestão da manobra conspiratória para incitar a uma perceção enviesada.
É aqui que se encaixa o populismo, que muitas vezes se veste de cordeiro bondoso mas esconde uma certa mitomania política, uma propensão para fabular ou transfigurar a realidade. O populismo parece render! É transversal, ocorre em qualquer hemisfério político. Isso tem acontecido muitas vezes, ameaçando transformar a história das democracias. O populismo permitiu a Donald Trump – um dos empresários mais ricos dos Estados Unidos – apresentar-se ao eleitorado como outsider (político) e, logo, necessariamente impoluto, enquanto descrevia Hillary Clinton como parte da elite de Washington, forçosamente alheada das necessidades básicas do povo americano. O populismo fez também com que os membros do Tea Party levassem a crer que os Estados Unidos são governados por “liberais degenerados” da Costa Leste, consumidores de café expresso com espuma e importadores de Volvos, em detrimento das “pessoas reais” que vivem na América profunda, bebem café “normal” e conduzem automóveis americanos. O populista é um vendedor da banha da cobra, é o charlatão moderno, transborda em ofertas e promessas em busca de votos. Protege com pequenas verdades uma grande mentira.
Este é um fenómeno à escala global. Tendencialmente favorece mais quem procura conquistar o poder do que aqueles que já se encontram no seu exercício. O populismo e a pós-verdade anunciam o Dom Sebastião em cada esquina. Vendem-nos a esperança como uma fantástica visão de um eclipse solar.

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