Opinião: Ovelhas sem pastor

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Nada do que vou escrever a seguir tem importância para mais ninguém.

Apenas para mim próprio. Não muda atitudes, não corrige os males, não é um sermão nem uma exortação de boas práticas. É irrelevante para os outros e tenho consciência disso. Por isso hesitei em escrever. Hesitei muito. Deixei esta crónica em luz branda até quase ao extinguir do pavio. Escrevi-a quase no limite de ter de a enviar ao jornal.

Uma das minhas hesitações prendeu-se com o facto de saber que, ao escrever sobre este assunto, poderei ferir pessoas que condenam os abusos de menores tanto quanto eu. Todavia, ao contrário de mim, essas pessoas são membros da Igreja e, por isso, atravessam uma das maiores provações de sempre.

Esses mesmos, no seu âmago, não podem afirmar que nunca souberam de casos de abusos dentro das portas sagradas. Não podem afirmar que a vocação eclesiástica, o chamamento, ou o que lhe queiramos chamar, seja igual para todos os sacerdotes.

Não podem afirmar que ignoram totalmente que à predestinação de uns corresponde a frustração de outros. Por frustração entenda-se o encobrimento de um traço de identidade íntima que, sobretudo no passado, foi mal acolhida pela sociedade, como a homossexualidade. Ou o caso de desilusões amorosas. Ou o cumprimento de desejos de família. Ou o emprego certo para escapar ao trabalho duro do campo ou da fábrica.

Não podemos, por isso, colocar no mesmo saco todas as coisas. Contudo, o mundo reclama a nossa militância pelas causas justas. E não vejo causa mais justa do que a condenação dos abusadores, daqueles a quem cumpria a proteção dos mais frágeis, a quem cumpria o amparo às crianças que confiavam neles, mas que se converteram no seu carrasco silencioso, ferindo-lhes a vida no mais sagrado que há em si, que é a sua intimidade. Trazendo-lhes infelicidade, vergonha e deixando-lhes uma cicatriz definitiva com que terão de viver para sempre.

Os abusos sexuais de menores em larga escala por membros do clero não se resolvem com pedidos de desculpa, com retratações públicas pelas altas patentes da Igreja ou com comissões de inquérito. O problema é bem maior.

Faz lembrar um icebergue: só uma minúscula parte está à vista, porque a maioria do bloco de gelo encontra-se nas profundezas do oceano. O celibato, a menorização da Mulher e alguns dogmas são questões cada vez mais emergentes que fazem parte de um problema que já não é possível esconder.

A sua resolução também prescinde de um Presidente da República em ziguezague, que continua a debitar opinião sobre tudo. É um Presidente especialista em tudologia, cuja asneira está destinada a acontecer. Marcelo disse que os quatrocentos casos recentemente relatados “não parecem um número particularmente elevado”.

Lamentável! Trouxe ao de cimo a sua conduta casta, agora lembrada. As redes sociais voltaram a falar do estado civil do Presidente, que, estando divorciado, foi namorando mas sem assumir, por isso ir contra os sacramentos. Como os que fumam mas não inalam. Escondido pode, à vista não porque é pecado. É por essa razão que tenho para mim que a maior perversão sexual que existe é a castidade.

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