Opinião – A Rosa

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Diogo Cabrita

Nem sempre contar histórias é bom. Mas se ninguém falar das histórias elas desaparecem no tempo, vão para as campas de quem as viveu e asfixiam dentro das tumbas. Também já vi histórias converterem-se em fumo de crematório. Histórias de pessoas são coisa de todos nós e devemos conservar o que delas nos preenche. A história que vos trago é mítica e mágica e não tem fundamentação científica, mas é uma coisa de arrepiar, que aconteceu aqui. Não vos dou os dados todos porque seria transparência a mais e a verdade deve ser solene e não escancarada.
A Rosa procurou-me anémica. A Rosa estava doente e estudámos o seu corpo de vários ângulos. Tinha um desses cancros que se alojam em nós como as lapas nas rochas. Escolhi-lhe um médico que venero e ele operou-a. O Mário Nora trabalha no Hospital da Arrábida e é uma das pessoas que eu gostava de poder ter sido. Ele é organizado, perfeccionista, sabedor. Ele salva muitas vidas e começou a salvar a da Rosa. A Rosa é uma pessoa sensível, de uma delicadeza especial, de um tempero doce que tornaria o mundo mais fácil. Questiona, pergunta, tem dúvidas mas sempre na procura de um bem maior – o equilíbrio da verdade com a interpretação dela de que somos capazes. Sim, a verdade é ela própria e a nossa percepção. Neste dado interferem as crenças e a cultura que temos.
A Rosa há uns anos visitou um amigo acidentado que permanecia em coma e que prolongava a sua estadia tonta no lado dos que não nos falam mais. A Rosa acredita que temos uma realidade complexa e uma presença no mundo que não é só material e portanto quando os médicos davam por perdido o meu amigo ela foi falar com ele. Ele na máquina, ele longe de nós, ele fugido lá onde encontrava conforto, talvez no colo do pai falecido ou no jardim dos avós. A Rosa falou-lhe deste mundo onde temos dores, onde brincam os nossos filhos, onde às vezes não nos pagam os salário e o meu amigo pestanejou. Estava na máquina, preso por tubos, apagado entre químicos e certezas científicas. Ela não rezou nada, não lhe fez bruxaria nenhuma. A minha amiga falou com ele e nesse dia ele voltou. Esta história existe dentro de uma comunidade científica que não a sabe explicar e por isso cala. O silêncio deste despertar é sussurrado mas ninguém o destaca. Temos medo do que não podemos explicar.
Entretanto a mulher espiritual vai levar com a violência toda de que os médicos são capazes, a quimioterapia, os exames de follow up, os estadiamentos. A força bruta contra esse monstro inexplicável chamado neoplasia. Este contrassenso de uma magia e de uma doença às vezes extirpável à faca.
A Rosa fez-me pensar nos filmes de fantasia e há dias sonhava que um demónio a castigava por ter trazido o nosso empreendedor amigo de volta. Mas a minha verdade é que não há demónios, não há bruxarias e há coisas que não sei explicar mas me fascinam.

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