Opinião – A banalidade do mal

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Bruno Paixão

Bruno Paixão

Não sei se nas últimas semanas foram os atos terroristas que aumentaram abruptamente na Europa ou se estamos perante um caso de amplificação da visibilidade mediática do fenómeno, devido ao assombro e ao medo que a todos ofende. Seja como for, é iniludível que nos confrontamos com a barbárie perpetrada por indivíduos desequilibrados e, em sérios casos, reivindicada por grupos extremistas que planeiam ataques fanáticos a igrejas, explosões, atropelamentos mortíferos e massivos em locais onde as pessoas circulam livremente e em paz, gente decapitada, ataques a jornalistas, matança de mulheres, represálias aos críticos, declarações de guerra aos povos livres, desvio de aviões, degolação de reféns… Este é o lastro que o extremismo terrorista tem vindo a deixar.
Pergunto-me sobre o que querem os seus guerrilheiros e o que os move. Esta é, aliás, uma das primeiras questões a colocar. É importante percebermos o radicalismo para o combatermos. Para tal é preciso a desconstrução dos conceitos cómodos e um esforço de compreensão para além do que é culturalmente partilhado.
A filósofa judia Hannah Arendt, de origem alemã, no seu livro “Eichmann em Jerusalém”, desenvolveu a controversa e ainda hoje enigmática noção de “banalidade do mal”. A comunidade judaica, dizimada pelos nazis, na altura opôs-se aos argumentos por entender que Arendt abria portas à desculpabilização dos agressores ao mesmo tempo que enfatizava a responsabilização dos agredidos. O livro foi escrito na sequência da publicação na revista The New Yorker, de artigos assinados pela própria Arendt sobre o julgamento do funcionário nazi Adolf Eichmann, raptado na Argentina em 1960 pelos serviços secretos israelitas. Durante a cobertura do julgamento, a filósofa fez uma interpretação crítica e recusou a diabolização de Eichmann, por achar que este apenas era um cioso e diligente funcionário ao serviço do nazismo, não pensante, que cumpria as ordens emanadas e se deixava levar pela torrente massiva dominante. Mas Arendt também deixou velada a crítica aos judeus pela sua quase resignação à má sorte humanitária. Como se compreende, há 50 anos, o holocausto não era apenas uma evocação histórica, era uma recordação inflamada de mágoa e de dor. Das mais esbraseadas a que esse século assistiu.
De quem é a culpa do definhamento do humanismo, de quem é a mão que empurra o mundo para a vertigem do caos? Julgo que a génese encerra uma dúvida ética. O esmagamento das liberdades, o desrespeito pelas autonomias, o empobrecimento dos povos e o muro que lhes veda a cultura e o ensino, o capitalismo especulativo e corrupto e os interesses dos grandes grupos e das nações que espoliam desenfreadamente a humanidade, extravasam a consciência individual. Eles fomentam a insustentabilidade dos regimes e a consequente insatisfação com as políticas de governação coletiva. Não é de estranhar o surgimento de movimentos radicais, quer seja de partidos de extrema-direita como de extrema-esquerda, de raiz religioso ou de fascínio bélico. Eis um ponto que dá que pensar. Enquanto isso, todos os dias são recrutados cidadãos inebriados pela massificação do radicalismo, assente no mal cometido em convicções manipuladas, como um ato banal.
Estará entre os atributos dos homens de bem, na sua natureza intrínseca, a possibilidade de evitar que se faça o mal? Temos de continuar a acreditar que sim. E temos de fazer parte desse esforço, ativamente e sem resignações. É difícil pensar o terrorismo com objetivo de compreensão. Mas este assunto que ameaça afundar o humanismo exige que deixemos a nossa zona de conforto. É a via diplomática a prevalecer sobre a violência. É a voz audível que triunfa sobre o silêncio amedrontado. É a guerra ganha com o suor da paz.

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