Opinião – Concursos de colocação de Médicos de Família: uma luz ao fundo do túnel?…

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Catarina Matias

Catarina Matias

Muito tem sido prometido relativamente à atribuição de médico de família a todos os portugueses, mas os valores e questões organizacionais de base são frequentemente esquecidos, começando pela realidade demográfica atual de médicos de família no País (ainda insuficiente) e passando pela (des)organização dos concursos de colocação de profissionais.

Relativamente a este último ponto, desafio o leitor a seguir o exercício que lhe proponho: colocar-se na pele de uma médica, que refiro de seguida (caso que, não sendo real, descreve na mesma pessoa o que aconteceu a muitos dos médicos de família, recém-especialistas candidatos a colocação no último concurso).

A nossa candidata-caso terminou a sua formação em Medicina Geral e Familiar na região litoral-centro do País, na 1.ª época de 2015, é mãe de duas crianças com idade inferior a 6 anos e tem residência próximo do seu local de formação. Qual o passo seguinte no seu trajeto profissional?

Candidatar-se no concurso de colocação de médicos de família, fechado, destinado apenas aos médicos que terminaram a sua formação na 1ª época de 2015. Considerando que quer manter a sua atividade no Serviço Nacional de Saúde (SNS) terá de se candidatar no concurso referido. De outra forma, não sabe quando poderá tentar nova integração no SNS, uma vez que os concursos abertos não têm uma periodicidade previsível definida.

O que aconteceu, então, no concurso? A médica em questão gostaria de ficar colocada próximo da sua área de residência, onde há utentes sem médico atribuído. No entanto, não houve disponibilização de vagas nestes locais. Além disso, o número de lugares disponíveis na região pretendida era inferior ao número de candidatos e a sua posição na lista de colocação não era muito favorável…

O que fazer, então? Candidatar-se a várias Administrações Regionais de Saúde (ARS) do País, quer seja Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo, Algarve, … não esquecendo as Unidades Locais de Saúde… quase todas longe da sua casa e da sua família.Todas estas serão possibilidades de colocação, mas a candidatura simultânea às mais razoáveis para esta médica de família implica uma entrevista em cada uma, com fator de valoração diferente entre elas e um procedimento de escolha desfasado no tempo: primeiro decorreu o concurso de Lisboa e Vale do Tejo, seguindo-se o do Centro e não tendo decorrido até agora o do Norte…

Nesta fase, compreendo a potencial desorientação do leitor com a descrição feita… mas sim, está a perceber bem. Os recém-especialistas da mesma época de formação a nível nacional terão de se candidatar a concursos compartimentados e assíncronos, o que implica, por exemplo, perder a possibilidade de escolher uma vaga no concurso de Lisboa e Vale do Tejo, porque o concurso do Centro, onde as vagas lhe são mais favoráveis ainda não decorreu… mas e se esta mãe não consegue vaga no Centro depois de ter perdido a oportunidade em Lisboa e Vale do Tejo?… A angústia, injustiça e desigualdade que estes acontecimentos geram não são razoáveis, nem justificáveis.

Coloca-se então uma questão: Como encontrar o fio desta meada e dar colocação de forma justa e com igualdade de oportunidades a quem trabalhou durante pelo menos 11 anos para chegar a este ponto? As seguintes medidas decerto ajudarão:

1 – Organização de concursos de âmbito verdadeiramente nacional, com os mesmos ritmos e regras, sem a necessidade de ir a várias entrevistas e ter vários dias de escolha de vagas, dependendo do número de regiões do país a que se candidatou o recém-especialista;

2 – Possibilitando a existência de concursos abertos, com periodicidade definida e previsível para médicos de família que, não sendo recém-especialistas, queiram integrar o SNS;

3 – Dando condições dignas de trabalho nos locais de colocação dos candidatos (o que nem sempre ocorre).

Com todas estas medidas poder-se-á contribuir, de forma sustentada, para a satisfação dos médicos e dos seus utentes, aumentando a qualidade dos serviços prestados e a força do SNS. Deste modo, contribui-se também para a diminuição da emigração de médicos ou do seu ingresso no sistema privado de saúde, possibilidades que em nada servem os interesses dos utentes do SNS.

Mas há luz no fundo do túnel: a primeira proposta apontada foi já anunciada como medida no passado dia 8 de Outubro de 2015: O Ministério da Saúde determinou que o procedimento para o recrutamento de médicos que adquiriram o grau de especialista em Medicina Geral e Familiar na 2.ª época do Internato Médico de 2015 será um concurso nacional, sendo a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) responsável pelo desenvolvimento de todo o processo de recrutamento.
Porque não aproveitar esta força motriz de mudança para promover as restantes medidas necessárias? Fica a sugestão.

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