Opinião – Declaração de amor ao Teatro

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Elsa Ligeiro

Elsa Ligeiro

Sou uma mulher dos livros, mas confesso: só o Teatro me faz caminhar sobre as águas.

Coimbra é uma cidade teatral e deviam ser o Teatro e a Literatura uma aposta nuclear na construção da sua identidade.

Foi em Coimbra que vi várias versões de Antígona, uma delas no Teatro Académico de Gil Vicente (belo nome), com Maria Helena da Rocha Pereira, a tradutora, ao lado, numa encenação do TEUC.

E uma outra vez assisti entalada, entre dois estudantes, ao Ensaio de Antígona, pelo CITAC, onde a pequena estatura da protagonista não lhe tirava a dignidade exigida à trágica filha de Édipo, ao contrário do desajeitado Creonte, poderoso na sua estatura, mas torpe na defesa da cidade e da sua razão.

Foi em Coimbra, há muito pouco tempo, que sai feliz da Cerca de São Bernardo, depois de assistir ao melhor Gil Vicente da minha vida.

O Auto dos Físicos, da Escola da Noite, tem todos os ingredientes que transformam o Teatro numa arte extraordinária.

Nessa noite recordei um outro espectáculo, também da Escola da Noite, dedicado a Kafka, em que mais de uma vez lutei contra as lágrimas, não pelo drama mas pela beleza sublimar das palavras, e pelas imagens de um Chaplin tão bem convocado para o palco.

Tenho uma admiração especial por monólogos, o amor mais-que-perfeito da casa-palco (Ninguém ama tão desalmadamente/ como o actor, escreveu para sempre Herberto Helder).

Assisti, no Teatrão, ao duelo do actor António Fonseca com o seu Contrabaixo.

Estive na sala onde Rita Durão lutou como uma fera, também sozinha, pelo texto de Arthur Schnitzler.

Gosto do teatro de Vicente Sanches, um alcainense como eu, e da sua insensata rebeldia.

E gosto das absurdas coincidências que me empurram para o Teatro.

Recordo sempre aquela vez, há alguns anos, no Porto, em que perdi (literalmente) de vista o último Expresso para Coimbra.
De visita à Feira do Livro perdi a noção do tempo e das horas, e eis-me turista no Porto às nove da noite.

Pensei primeiro num filme para passar o tempo de espera do próximo Expresso para Coimbra, já no dia seguinte; mas na Praça da Batalha parei junto ao Teatro São João que anunciava uma peça: Bérénice, de Racine, e foram os nomes do cartaz: João Grosso, Beatriz Batarda e João Mendes Ribeiro, que me ajudaram a decidir pelo Teatro.

Mais do que o de George Steiner que recordei, mentalmente, ter escrito na sua autobiografia (Errata: Revisões de uma vida, edição Relógio d’Água) que Bérénice, de Racine, era um dos dois textos que levaria para a tal ilha deserta (o outro era A Divina Comédia, de Dante).

Só depois de ver a peça no Teatro São João voltei, com mais atenção, ao texto de Steiner, e aos motivos da sua escolha.

E, como sempre, o Mestre tinha razão.

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