Carnaval civilizado?

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Aires Antunes Diniz

Andamos agora todos a pensar como vamos viver no meio da floresta de enganos em que estamos imersos. Trata-se de um quotidiano baile de máscaras, em que o governo surge disfarçado de cobrador de impostos para pagar dívidas, que não contraímos e/ou nem sequer nos avisaram que o estávamos a fazer. Trata-se de um carnaval fora de época, onde vamos fazendo papel de pedintes ou de devedores esquecidos. Não sei. Só sei que nos incomoda e inferniza.

Tudo é bem diferente do que acontecia em 1911, pois “pensam os estudantes leirienses que estão em Coimbra, e os seus colegas desta cidade levar a efeito um carnaval civilizado em Leiria, reunindo por isso para tratarem deste assunto no sábado passado na Associação dos Bombeiros Voluntários”. Agora tudo surge como pesadelo global em que a nossa vontade não contou nem conta “para nada”.

De facto, jornalistas que muito ou pouco conhecemos surgem a justificar esta exigência sem razões válidas, assim como muitos opinadores em cadeia global justificam as algemas da dívida sem grandes razões, mostrando assim a fragilidade dos seus argumentos pois na angústia da crise os “decisores” deixam até de usar linhas acabadas de electrificar como a da Beira Baixa, regredindo ao tempo das automotoras.

Enquanto quase todos verificamos que nada nos obriga a pagar o que não devemos, os jornais mostram as caras impolutas dos causadores desta desgraça, argumentando no sentido tornar inimputáveis todos e, em particular, os que por obras pouco valorosas se foram da lei da morte libertando. Foi o que fizeram num Carnaval pouco civilizado e usam ainda agora as “máscaras da virtude”. Participam nesta mascarada os seus camaradas, os assessores, os jornalistas e opinadores e, até, os juízes….

Por isso, não admira que em Coimbra, em Nova Iorque, em Roma, em Sydney e em muitos lugares surjam manifestantes que, com mais ou menos estardalhaço, contestam com ou sem máscaras este Carnaval Incivilizado, que faz retroceder a humanidade a estádios de barbaridade humana inaceitável.

De facto, os manifestantes sabem que só a força dos protestos pode parar um qualquer governo insensível, que o é só por ser incapaz de resolver a crise sem ser pelos cortes salariais absurdos nos ordenados da função pública. Na verdade, estes cortes não resolveram nada na Grécia, nem vão resolver nada em Portugal.

Entretanto, para tentar desmobilizar os que fazem das ruas um Carnaval Civilizado e preparam uma nova Era Civilizacional, os jornais tentam convencê-los a desistir, proclamando a excelência do voto. Mas, todos sabemos como os eleitos se comportam mal o recebem. Esquecem promessas e fazem só o que mandam os senhores do capital financeiro. Bloqueiam assim a democracia e obrigam a que o povo encha as ruas para que volte a funcionar. É o que temos que continuar a fazer.

1 – O Rebelde, Leiria, 5 de Janeiro de 1911, ano I, n.º 6, p. 4, coluna 1.

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