A próxima década é, a muitos títulos, decisiva para o país. Decisiva sobretudo na concretização necessária de alguns importantes ideais da República que, num século – pese embora a longa “interrupção” da ditadura –, não foi possível fazer. Quem o disse foi António Arnaut, o advogado e democrata ontem transformado na “voz de Coimbra”, na sessão que assinalou nos paços do concelho o centenário da implantação da República.
Numa comunicação plena de lucidez, marcada por bastas referências a alguns dos grandes pensadores portugueses e pontuada por momentos de emoção genuína, António Arnaut deixou alguns “recados” e muitos “avisos” fundamentais. Que começaram logo no título do texto que leu a uma assembleia atenta: “Dos direitos individuais aos direitos sociais: A República Ética (1820 – 2020)”.
É que, como o advogado, antigo dirigente socialista e fundador do Serviço Nacional de Saúde, depois fez questão de precisar aos jornalistas, a baliza deve colocar-se na próxima década (2020), porque esta será fundamental para a “concretização” do que falta ainda ser assumido pela República.
Convidado por Carlos Encarnação, presidente da Câmara Municipal de Coimbra – que disse de António Arnaut ser um republicano “inteiro e vertical” –, o orador da sessão aberta por Manuel Porto, presidente da Assembleia Municipal de Coimbra, traçou o rumo da sua intervenção, iniciando-a com uma espécie de sentença e senha de Antero [de Quental]: “Se a República assenta sobre o direito, o direito republicano assenta sobre a moral”.
E, entre o relato histórico dos factos que conduziram à implantação de um novo regime, assente em princípios básicos como a liberdade e a igualdade, António Arnaut foi deixando alguns “avisos”, nada subliminares e destinados a quem hoje governa o país: “A exaustão da Monarquia, ou, como escreveu Teófilo Braga, a decomposição espontânea do regime, resultou do descrédito dos políticos e do próprio rei, da irresponsabilidade dos partidos Regenerador e Progressista, que se revezavam no poder sem condições nem capacidade para resolverem os graves problemas do país, especialmente o défice crónico e o desemprego, a que se somava a miséria endémica e o analfabetismo”.
Foi, portanto, “a decadência ética, política, económica e social em que o país mergulhara que tornaram a instauração da República numa necessidade de ordem moral” (na expressão de António José de Almeida).
Assim mesmo, concluiu António Arnaut afirmando a desnecessidade de “reimplantar” o regime instaurado a 5 de outubro de 1910, é necessário hoje “descobrirmos dentro de nós a força de realizar a República ética”.
Para Carlos Encarnação – que ontem encerrou a sessão afirmando a necessidade de “realizar a República para garantia e bem do povo” –, o “ponto a que chagámos” enquanto país, diz bem de como “nos é difícil ultrapassar os nossos problemas atávicos”.
E o autarca não deixou de traçar um paralelo a atravessar o século: “o que perdeu a Monarquia foi gastar demais e não receber o que devia”. E esse “parece hoje um grande lugar comum”, sublinhou.