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Opinião: Entre a banalização do inaceitável e as escolhas coletivas que temos de fazer!

15 de novembro às 11 h34
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Há dias passei junto a um pequeno bosque de carvalhos que fazia parte da minha memória afetiva. Desta vez encontrei muitas destas árvores abatidas para instalar painéis solares. Energia limpa, dizem. Mas quando a transição energética destrói a pouca floresta autóctone que resta, que energia limpa pode ser essa? E, sobretudo, quem decide isto em nosso nome?
A crise ecológica é frequentemente apresentada como inevitável, como se fosse uma espécie de castigo natural. Mas não há fatalidade alguma. O que existe são décadas de escolhas políticas e económicas que trataram a natureza como depósito inesgotável e as pessoas como mão-de-obra descartável. Autorizar a chegada de elefantes em fim de vida a ecossistemas onde não pertencem, permitir a construção ou a expansão de agricultura intensiva em áreas protegidas não são acidentes nem coincidências, são decisões alinhadas com interesses muito concretos.
Ouvimos frequentemente que, em nome do ‘progresso’, temos de fazer sacrifícios! Mas sacrifícios de quem? Das populações rurais, cada vez mais isoladas e abandonadas? Dos jovens empurrados para vidas precárias, incapazes de pagar uma renda ou de planear o futuro? Dos trabalhadores exaustos que veem a saúde pública encolher e a educação entregue a profissionais cansados e desvalorizados? Ou dos migrantes transformados em bode expiatório de problemas que nada têm a ver com eles? A ideia de que ‘não há alternativa’ normaliza desigualdades, legitima destruição e oculta quem beneficia deste modelo.
Ao mesmo tempo, assistimos à normalização diária de discursos autoritários e xenófobos pela classe política e pelos mass media, que oferecem explicações fáceis para problemas complexos e desviam o olhar dos verdadeiros problemas e centros de decisão. É sempre mais simples culpar os vulneráveis do que enfrentar os poderes que lucram com o desordenamento territorial, a precariedade laboral ou a exploração intensiva da natureza.
A crise ecológica é inseparável da crise de sentido que atravessa as nossas vidas. Quando aceitamos que o valor de uma árvore se mede pela sua rentabilidade, quando a educação e os empregos já não garantem dignidade nem emancipação e quando a saúde é tratada como despesa a cortar e não como bem comum, estamos a escolher construir um país onde a vida se torna secundária. Seja a da Terra, sejam os vínculos humanos, o cuidado, a confiança coletiva. A ecologia e a sociedade deterioram-se ou regeneram-se juntas.
Mas o que me ‘agonia’ mais é a espécie de anestesia social que se instalou. Vemos o aumento de pessoas a viver nas ruas, mas passamos apressados, olhamos para o lado. Sabemos que jovens qualificados vivem com os pais ou abandonam o país por falta de condições, mas repetimos que ‘sempre foi assim’. Observamos o ataque aos serviços públicos, mas já quase não nos indignamos. Esta banalização do inaceitável é o maior triunfo do modelo que nos governa, na medida em que transforma sofrimento e destruição em rotina.
(leia texto completo no nosso site)

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